sexta-feira, novembro 03, 2006

Inquietações do Tenente Gustl

«tens os olhos mais bonitos que eu já vi!», disse a Steffi há pouco tempo…Oh Steffi, Steffi, Steffi! A Steffi é que tem culpa de eu estar aqui e de ter de me lastimar horas a fio. – Ah, as eternas desculpas da Steffi já me estão a pôr cá com os nervos em pé! Hoje o serão podia ter sido bonito. Apetecia-me ler a cartita da Steffi. Tenho-a aqui comigo. Mas se a tiro da carteira, o tipo aqui ao lado come-me vivo! – Eu bem sei o que lá está escrito…que ela não pode vir porque tem de ir jantar com «ele»…ah, foi tão esquisito quando ela esteve com ele há oito dias no clube dos horticultores, e eu mesmo em frente com o Kopetzky; e ela sempre a fazer-me sinais com os olhinhos para combinar. E ele não deu por nada – incrível! Aliás, deve ser judeu! É certo que está num banco, e o bigode preto… Também dizem que é tenente na reserva! Ora, o melhor é ele não ir fazer exercícios militares ao meu regimento! Aliás, que eles deixem tantos judeus ser oficiais – eu cá’ tou-me nas tintas para o anti-semitismo!
Há dias, no clube, quando se seu aquela ‘stória com o doutor em casa dos Mannheimer…dizem que os Mannheimer também são judeus, baptizados, claro…mas neles não se nota nada – especialmente a mulher… tão loura, de belo porte…

O Doschintzky contou-me que um tipo que pegou na espada pela primeira vez por um triz que não o matava; e o Doschintzky é hoje professor de esgrima da milícia. Está bem – talvez que ele nessa altura não era tão bom…O principal é ter sangue-frio. Já nem sequer sinto bem raiva, e no entanto foi um atrevimento – incrível! De certeza que ele não se atrevia se antes não tivesse bebido champanhe… Que descaramento! É socialista pela certa! Hoje em dia os trapaceiros são todos socialistas! Uma seita…o que eles queriam era acabar já com o exército; mas no que eles não pensam é quem é que os vai ajudar quando os chineses lhes caírem em cima. Palermas! Tem de se castigar na altura própria para que sirva de exemplo. Tive toda a razão. Ainda bem que não o larguei mais depois daquela observação. Só de pensar nisso, fico furioso! Mas portei-me de uma maneira extraordinária; o coronel também disse que foi o mais correcto possível. Vai ser mesmo útil a coisa. Conheço muitos que deixavam escapar o tipo. O Müller de certeza, esse tornava a ser objectivo ou coisa parecida. Por causa de serem objectivos é que muitos ficaram mal colocados… a maneira como ele disse «Senhor tenente» já foi insolente!... «O senhor tem de reconhecer»… – Mas como é que isso veio à baila? Porque é que meti conversa com o socialista?

In O Tenente Gustl, Arthur Schnitzler