A Candidatura de Soares
Mário Soares é uma figura marcante da nossa história, não resisto pois a umas linhas sobre a candidatura presidencial que tanta animosidade suscita.
Pela minha parte, não sendo apoiante, realço a vitalidade do político de corpo inteiro, um lutador até ao fim. Está a fazer uma campanha em condições muito difíceis e tem dado mostras de uma resistência invejável.
Há nas críticas a Soares um subtexto que me irrita profundamente, uma espécie de censura por este se ter candidato apesar da idade que tem, como se ser velho implicasse a renúncia a esse nobre direito cívico.
Sinto que as pessoas, de um modo geral, não lho perdoam essa desfaçatez, porque o culto boçal da juventude tão em voga na nossa sociedade nos diz que os velhos têm de ficar encerrados em casa; de preferência à lareira ou então presos ao admirável mundo novo das nossas televisões generalistas. Depois disso, há apenas as misericórdias, um grande filão, como bem sabemos.
Pondo de parte o anátema, há que reconhecer que a candidatura de soares não começou bem: a imagem do político sábio, pai da II República, entrou em rota de colisão com o sentimento colectivo, uma sociedade em lento declínio que anseia desesperadamente por uma mudança que permita conservar os padrões de consumo do primeiro mundo, aquisição histórica precária e que muitos identificam com os anos do governo de Cavaco. Não admira pois que este apareça como o homem providencial, o timoneiro que poderá conduzir o barco lusitano a bom porto. Ao contrário, Soares é demasiado humano (gostamos dele também por causa dos defeitos; foi assim quando o escolhemos para primeiro-ministro e mais tarde para presidente da república) e muito pouco dado a salvador da pátria.