terça-feira, setembro 26, 2006

Profissão: Repórter

Example
Atrever-me-ia a dizer que este é o mais estranho dos “road movies”. E também o mais belo.
Mas é muito mais do que isso. Nesta deriva de David Locke (Jack Nicholson) por entre os grandes espaços oníricos do deserto africano e por uma Espanha que já não existe senão na beleza arquitectural de Gaudi ou na traça árabe da Andaluzia, somos convocados para os dilemas da identidade. Até que ponto esta identidade nos pertence, se ela não acaba consumida nas representações ou expectativas que os outros constroem sobre nós. Até que ponto não nos tornamos mero espelho do olhar dos que nos rodeiam? Dito de outro modo, o que sobra de nós enquanto indivíduos? A Lock só resta a fuga; da família e de uma carreira jornalística de sucesso. Encontra essa oportunidade em África, quando depara com um obscuro traficante de armas morto e que estava ligado à causa, também ela obscura, de uma qualquer guerrilha africana (neste filme de Antonioni, há uma impossibilidade de sentido sobre a trama política, perpassa uma impossibilidade de compreensão, aos nossos olhos e do protagonista). A encenação da sua própria morte e o assumir desta nova identidade são, em Lock, fuga e demanda interior. Demanda por uma identidade há muito (e talvez para sempre) perdida? A consciência de uma alienação irreversível?
Não há qualquer possibilidade de redenção por meio desta nova existência, mesmo se Lock tem a inesperada companhia de uma bela mulher (Maria S. Schneider) Há sempre uma bela mulher nos filmes de Antonioni.
Um filme que nos traça a história de uma rebelião individual. De uma rebelião sem saída.
O título em inglês é sugestivo, The Passenger, por Antonioni considerado, estilisticamente, o mais maduro dos seus filmes.