The Road to Guantanamo
Fui ver The Road to Guantanamo mais para cumprir a rotina de Segunda à noite, quase sempre pautada por uma sessão da sétima arte; para aligeirar o peso do primeiro dia de trabalho.
Mentiria se dissesse que não me deixei também levar pela actualidade do tema, a guerra ao terrorismo e a espiral regressiva dos direitos humanos a que se entregou a hiperpotência americana. Mas confesso que do Michael Winterbottom já me habituei a não esperar grande coisa.
O filme baseia-se na história (verídica) de três muçulmanos britânicos que, no Afeganistão, foram feitos prisioneiros dos americanos e levados para a base de Guantánamo, onde permaneceram cerca de dois anos.
Winterbottom cruza o registo do documentário, por meio de entrevistas aos três jovens, com o dispositivo ficcional, usado para reconstruir a odisseia desses mesmos jovens (neste plano o cunho realista é também evidente, pois socorre-se em grande medida de actores não profissionais, ainda para mais de Midlands, donde provêm os três protagonistas; a excepção é a personagem de Asif, o jovem que viaja até ao Paquistão para casar com uma rapariga escolhida pela sua família, interpretado por um actor profissional).
A assunção do ponto de vista dos rapazes (diga-se que bem-parecidos) não está em causa, o problema é de outra ordem: é a omissão deliberada.
Vemos Asif chegar ao Paquistão (onde iria casar-se) e encontrar-se com os amigos. Dormem numa Mesquita de Karachi, ouvem a prédica de um imã e decidem fazer turismo humanitário no Afeganistão. Pelo caminho, passam por Queta, que é, à semelhança de Karachi, um bastião do islamismo (mas disso nem uma palavra). Parecem nada saber da política da região nem tão-pouco que, naquele Outubro de 2001, estava iminente um ataque americano. Entram no território afegão e logo são surpreendidos pelos primeiros bombardeamentos da aviação dos EUA. Os nossos jovens estão pois à deriva no meio de um conflito; sucedem-se as imagens da guerra, mas nada sobre os talibans. São, de surpresa em surpresa, conduzidos até à província de Kunduz, no norte do Afeganistão, onde conhecem, como não podia deixar de ser, a brutalidade da Aliança do Norte. Não pensem que estou a dizer que os pobres jovens eram da Al-Qaeda, mas alguma forma de arregimentação ao extremismo islâmico há-de ter havido. Há aqui peças que são parte deste puzzle e que não nos são mostradas..
É pena que Winterbottom tenha escolhido o caminho da omissão. Porque se o móbil deste filme era a denúncia do tratamento desumano infligido aos presos de Guantánamo (que até nem está mal retratado), muito teria a ganhar com uma exposição mais rigorosa dos factos. Porque é de factos de que trata este filme, nele não se vislumbrando qualquer propósito estético. E porque mesmo que fossem combatentes, ou tão-só meros simpatizantes com a sua dose de ingenuidade, continuaria a ser imoral a forma como os americanos tratam os presos em Guantánamo, em profunda violação ao consignado na Convenção de Genebra.
The Road to Guantanamo recolheu fortes aplausos quando da sua estreia no Festival de Cinema de Berlim, o que só pode ser encarado como mais um sinal de erosão da imagem dos EUA. É, convenhamos, um mau sinal.
Mentiria se dissesse que não me deixei também levar pela actualidade do tema, a guerra ao terrorismo e a espiral regressiva dos direitos humanos a que se entregou a hiperpotência americana. Mas confesso que do Michael Winterbottom já me habituei a não esperar grande coisa.
O filme baseia-se na história (verídica) de três muçulmanos britânicos que, no Afeganistão, foram feitos prisioneiros dos americanos e levados para a base de Guantánamo, onde permaneceram cerca de dois anos.
Winterbottom cruza o registo do documentário, por meio de entrevistas aos três jovens, com o dispositivo ficcional, usado para reconstruir a odisseia desses mesmos jovens (neste plano o cunho realista é também evidente, pois socorre-se em grande medida de actores não profissionais, ainda para mais de Midlands, donde provêm os três protagonistas; a excepção é a personagem de Asif, o jovem que viaja até ao Paquistão para casar com uma rapariga escolhida pela sua família, interpretado por um actor profissional).
A assunção do ponto de vista dos rapazes (diga-se que bem-parecidos) não está em causa, o problema é de outra ordem: é a omissão deliberada.
Vemos Asif chegar ao Paquistão (onde iria casar-se) e encontrar-se com os amigos. Dormem numa Mesquita de Karachi, ouvem a prédica de um imã e decidem fazer turismo humanitário no Afeganistão. Pelo caminho, passam por Queta, que é, à semelhança de Karachi, um bastião do islamismo (mas disso nem uma palavra). Parecem nada saber da política da região nem tão-pouco que, naquele Outubro de 2001, estava iminente um ataque americano. Entram no território afegão e logo são surpreendidos pelos primeiros bombardeamentos da aviação dos EUA. Os nossos jovens estão pois à deriva no meio de um conflito; sucedem-se as imagens da guerra, mas nada sobre os talibans. São, de surpresa em surpresa, conduzidos até à província de Kunduz, no norte do Afeganistão, onde conhecem, como não podia deixar de ser, a brutalidade da Aliança do Norte. Não pensem que estou a dizer que os pobres jovens eram da Al-Qaeda, mas alguma forma de arregimentação ao extremismo islâmico há-de ter havido. Há aqui peças que são parte deste puzzle e que não nos são mostradas..
É pena que Winterbottom tenha escolhido o caminho da omissão. Porque se o móbil deste filme era a denúncia do tratamento desumano infligido aos presos de Guantánamo (que até nem está mal retratado), muito teria a ganhar com uma exposição mais rigorosa dos factos. Porque é de factos de que trata este filme, nele não se vislumbrando qualquer propósito estético. E porque mesmo que fossem combatentes, ou tão-só meros simpatizantes com a sua dose de ingenuidade, continuaria a ser imoral a forma como os americanos tratam os presos em Guantánamo, em profunda violação ao consignado na Convenção de Genebra.
The Road to Guantanamo recolheu fortes aplausos quando da sua estreia no Festival de Cinema de Berlim, o que só pode ser encarado como mais um sinal de erosão da imagem dos EUA. É, convenhamos, um mau sinal.