quarta-feira, novembro 08, 2006

As eleições americanas

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As eleições americanas estão a ser marcadas por ganhos dos candidatos do partido democrático, quer na Câmara dos Representantes, onde já garantiram a maioria dos lugares, quer no Senado, cuja balança parece também pender para o lado democrata, ainda que por estreita margem.
Embora a generalidade dos media se tenha centrado nestas duas câmaras, ou dito de outro modo, nas mudanças que poderão enfraquecer a administração Bush e fragilizar a sua política no Iraque , é bom não esquecer que nestas eleições os americanos elegeram também chefes de polícia locais (os famosos xerifes), escolheram presidentes de câmara e governadores estaduais e ainda tiveram de se pronunciar sobre uma miríade de referendos.
A pulsão referendária é mesmo um caso sério na coeva democracia americana. Com raízes fundas nos territórios da América do Norte, o renascimento moderno desta prática é indissociável da célebre Proposition 13, de Howard Jarvis, que impôs limites legais à cobrança de impostos por parte das autoridades estaduais e locais da Califórnia (1978). O cientista político e editor da Newsweek, Fareed Zakaria, vê no uso desmedido do referendo uma das principais causas do avanço da democracia iliberal na América.
No Estado do Dakota do Sul, da América vermelha, conservadora e republicana, foi rejeitada em referendo uma proposta que previa fortes restrições à prática do aborto (só era autorizado em caso de risco para a vida da mãe) e constituía um desafio directo ao Acórdão Roe v. Wade do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, que, em 1973, liberalizou a interrupção voluntária da gravidez. De facto, referendar assuntos que relevam da esfera íntima pode ser visto como uma prática iliberal, transformando-se o referendo num mero instrumento da imposição da vontade da maioria à minoria. Felizmente que, neste caso, falou mais alto a sensatez dos eleitores do Dakota do Sul. E a rejeição desta proposta constitui um sério revés para os arautos da penalização do aborto, que esperavam dela fazer mola impulsionadora de um movimento que levasse o Supremo Tribunal a rever o acórdão aludido e a devolver a questão aos estados.