segunda-feira, janeiro 28, 2008

George Habash












1926-06.

Doutor Habash, gostava que falássemos um pouco de si.

O senhor era um médico e a sua missão era salvar gente, não matá-la. Era cristão e a sua religião baseava-se no amor, no perdão. Não tem saudades do seu passado?

Era…cristão, sim. Cristão Ortodoxo. Era…médico, sim. Pediatra. Gostava bastante. Pensava que fazia o mais belo trabalho do mundo…

Doutor Habash, diga a verdade: o que é que o decidiu? O que é que lhe provocou uma semelhante metamorfose?

Quero compreender, faça-me compreender?

O quê? Não um raciocínio, julgo. Não Marx, por exemplo. Já tinha lido Marx já chegara a certas conclusões científicas. Foi…foi um sentimento, sim. Veja, eu estava habituado ao espectáculo da dor física, mas não da dor moral. Tão-pouco ao da injustiça, da vergonha. Até 1984 fui um rapaz como os outros, o típico filho do bem-estar, o típico universitário que gosta de se divertir nadando na piscina ou jogando ténis ou andando com raparigas uma vez por outra. O que aconteceu em 1948 impressionou-me, mas não me modificou muito. Tinha 22 anos e habitava em Lida, perto de Jerusalém, não tinha partilhado da tragédia dos refugiados. Obtida a formatura, refugiei-me na medicina como único meio de me tornar útil à humanidade. Mas depois veio 1967, eles foram a Lida e… não sei como explicar-me…o que significa isto para nós…deixar de ter uma casa, uma nação, nada de importante…obrigaram-nos a fugir. É uma visão que me persegue e que não esquecerei mais. Nunca mais! Trinta mil pessoas que fugiam a pé, chorando…gritando de terror…As mulheres com crianças nos braços ou atadas às túnicas…Enquanto os soldados israelitas as empurravam com as espingardas. Elas caíam na estrada…muitas vezes já não se levantavam...Terrível, terrível, terrível! Vimos certas coisas e pensamos: mas isto não é vida, não é humanidade, para que serve curar um corpo doente se depois isto acontece? Temos que transformar o mundo, precisamos de fazer qualquer coisa, matar se necessário, matar correndo o risco de ser desumano e morrer por nossa vez e morrer por nossa vez…Quando vemos isto , a nossa mente e o nosso coração mudam…Sente-se que há mais qualquer coisa que a nossa vida…

George Habash entrevistado por Orian Fallaci, Amã, Março de 1972.

In Entrevista com a História.