Nada a Esconder
Ontem, fui ver o filme de Michael Haneke, “Nada a esconder”, “Caché” no original.
É o regresso de Haneke ao bom cinema, depois de um decepcionante “Tempo do Lobo”.
O plano do genérico, imagem fixa de uma casa na quietude de um bairro residencial de classe média, parece prolongar-se na eternidade, neutro e monótono, até nos apercebermos que se trata de uma cassete vídeo que os protagonistas, George e Anne, visionam.
Instala-se então a dúvida em nós, real e a sua construção formam um todo indistinto, questionamo-nos se o que vemos não é apenas imagem vídeo de intrusão/vigilância.
Como espectadores, somos parte implicada, pois temos a mesma visão dos protagonistas e do seu misterioso observador e autor das imagens.
George e Anne (Daniel Auteuil e Juliette Binoche) são alvo de uma estranha vigilância, recebem cassetes vídeo e cruéis desenhos infantis que perturbam o seu quotidiano e que progressivamente disseminam o medo e a desconfiança na relação do casal.
Depois, somos remetidos para o passado de George, por meio do reencontro com o argelino Majid, na infância, e por um curto período, adoptado pelos pais de George. Este tempo da infância é o tempo de uma traição, sugere-se que Majid (“expulso do paraíso” e enviado para um orfanato) foi vítima de George, que nos oculta muito desse seu passado.
Passamos a falar de culpa, culpa que George não reconhece e que é metáfora da relação da França com o seu passado colonial, em particular a questão argelina; Paris, o massacre de partidários da Frente Libertação Nacional em 1961, em que pereceram centenas de pessoas.
O filme assume então um simbolismo sócio-político, a culpa não assumida pela França (por George) alarga-se ao Ocidente, através das imagens do noticiário televisivo, imagens que nos mostram a guerra do Iraque. É a conturbada relação com o mundo árabe.
O último plano do filme é novamente fixo, temos a escadaria de uma escola que progressivamente se esvazia de alunos até restarem apenas dois : são os filhos de George e Majid juntos, talvez estabelecendo a ponte entre dois mundos desavindos ou realçando a capacidade subversiva da juventude. Aqui, estarei talvez a dar um nota de optimismo onde ela não existe.
Haneke não é um optimista, mas acima de tudo um hábil manipulador, o clima de tensão gerado ao longo do filme é progressivo e de um rigor quase matemático.
Michael Haneke :
Nearly all of my films examine the nature of truth in cinema and in the media. I greatly doubt that a person can have an idea of the truth from watching a film. I always say that a feature film is twenty-four lies per second; the lies may be told to serve a higher truth, but they aren't always. I think the way the videotape is treated here shakes the viewer's confidence in reality. The first sequence you see in Hidden is ostensibly reality, whereas it is actually a stolen image filmed with a camcorder. Of course, I am wary of the reality we are supposedly seeing in the media.