No poupar está o ganho
Aqui fica o meu texto publicado na revista "Dia D", incluída no Público de ontem.
A estabilidade no emprego, que para as gerações passadas era garantia de um futuro sem grandes preocupações quanto ao fluxo de rendimentos, desapareceu e dificilmente voltará. Na economia global em que participamos, os nossos rendimentos estarão cada vez mais dependentes de, a qualquer o momento, podermos encontrar no mercado quem seja comprador dos nossos conhecimentos e capacidades. Há, por isso, a crescente possibilidade de passarmos por períodos em que não estamos empregados o que deveria levar os portugueses a se precaverem da correspondente diminuição de rendimentos.
Pelo contrário, são cada vez mais as notícias e os estudos que indicam uma forte diminuição da poupança e, até, que poupar não faz parte das nossas intenções prioritárias. Esta tendência demonstra que damos mais valor à utilização desses rendimentos na actualidade, no consumo que fazemos, que ao seu diferimento como forma de assegurar consumos futuros, em tempos de menores ou nenhuns rendimentos. Isto é preocupante por significar uma diminuição da consciência que é responsabilidade de cada um tudo fazer para assegurar o bem estar próprio e daqueles que de nós dependem. O resultado é uma transferência para a comunidade das preocupações com o futuro, ampliando a dependência face a esta.
Em Portugal, nada disto é alheio ao alargamento do conceito de “estado social” que ocorreu nas últimas décadas. Os portugueses têm optado por eleger quem lhes propõe um modelo que considera que o estado, através dos seus agentes e instituições, sabe melhor que eles, que cada indivíduo, a maneira como gerir os seus rendimentos, poupando-os a preocupações com o seu futuro. A multiplicação das “políticas sociais”, com todos os “direitos sociais” que promovem, contribuiu para fazer crescer de forma exorbitante a carga fiscal, mas esta revela-se, mesmo assim, ainda insuficiente.
Um modelo alternativo, visando diminuir os valores a transferir entre portugueses (no desempenho da função redistributiva da riqueza, basilar à existência do actual “estado providência”), seria a promoção pelo estado de mecanismos e políticas que incentivassem a poupança. No entanto, este cenário merece duas críticas.
A primeira é que dificilmente esses incentivos seriam acompanhados da diminuição dos outros gastos do estado. A necessidade de financiar os seus serviços, os grupos de interesse que por ele são subsidiados e os vários projectos públicos que continuamente vão surgindo, continuará a requerer taxas elevadas de impostos ou a emissão de dívida pública (mais impostos no futuro).
A segunda crítica resulta da intervenção do estado em decisões que só aos indivíduos devem dizer respeito. Só estes dispõem da informação relevante para, a cada momento, decidirem o que fazer com os seus rendimentos e como alocar no tempo a sua transformação em consumo. Vira-se a moeda para encontrar, do outro lado do “estado social”, o estado preocupado com a falta de iniciativa e a indecisão dos seus cidadãos. Mais uma maneira de não devolver a estes maior responsabilidade sobre o seu futuro.
Hoje em dia, a enorme fatia dos rendimentos que os portugueses entregam ao estado, afecta de forma negativa os fundos disponíveis para quem pretende investir.
Afinal, poupar não significa trancar o nosso dinheiro num cofre. Ao diferirmos consumo, estamos a criar um fundo disponível para ser cedido a quem tem, actualmente, projectos de investimento em novos negócios ou em melhorias nos já existentes através de novos processos ou equipamentos. Cria-se, assim, mais riqueza e mais empregos. Dessa troca de preferências temporais entre aforradores e investidores, resulta a remuneração da poupança - o juro recebido ou a mais valia da aplicação desse capital. Alarga-se a capacidade de cada um de nós conseguir preparar a sua reforma, acudir aos gastos com a saúde ou garantir a educação da sua família. Aumentar a poupança significa assumir responsabilidade pelo nosso futuro ao mesmo tempo que potenciamos o desenvolvimento do país.