quinta-feira, abril 27, 2006

Das conversas de mal-dizer

Certos como um dia atrás do outro; certos como as rotinas de qualquer "repartição" como esta.
Só não se consegue por eles acertar o relógio porque tais fenómenos dão-se de forma espontânea e irregular ao longo do dia. De tal forma as participantes se organizam sem serem guiadas, que quase sou tentado a dizer que são mais hayekianas que muitos austríacos que eu conheço.
Ao longo do dia, sem que nada no ar lhes antecipe o movimento, algumas colegas gravitam até junto de outras colegas e em segundos iniciam-se no ritual: desatam a abelhar. O termo é absolutamente exacto, pois o som que emitem lembra-me o feito pelas abelhas e, assim, melhor descrevo a forma como se expressam que recorrendo ao usual verbo bichanar - para mim, bem mais ruidoso que o abelhar.
Lá se quedam elas, mães de família nos seus cinquenta anos, tardios quarentas e trintas adiantados (presumo que desempenhem o papel de noviças). Senhoras distintas, mães dos seus filhos e dos seus maridos. Algumas, já mães dos seus netos.
O corpo encolhe-se numa espécie de concha; junta-se a outras conchas; a expressão do peso da maternidade de tantos fecha-lhes o rosto. O abelhar sobe de intensidade. Invariavelmente, uma delas, para marcar a veemência de um ponto, abandona o abelhanço e exprime-se numa toada idêntica à usada pela professora do Charlie Brown. Lembram-se?: "whoan ,whoanwhoan...whoanwhoan!". As outras concordam. Ouve-se-lhes um abelhamento mais sofrido.
Nunca lhes vi formarem um grupo compacto. A divisão em pequenas formações, não permeáveis a trocas e contactos, é clara. São proteccionistas (lá se vai a teoria hayekiana...).
Também nunca consegui perceber sobre o que abelham. Deve ser grave. E persegue-as dia após dia. Lamento-lhes o sofrimento que as transforma em conchas abelheiras. Será a escola dos maridos?; os empregos dos filhos? A falta de verduras na dieta dos netos? As férias das sobrinhas da vizinha? A mulher-a-horas que pintou os lençóis com a t-shirt encarnada? Não sei...
Sinceramente, até tenho medo do dia, em que, por mero acaso e melhoria da minha surdez, perceba uma frase, compreenda um "whoanwhoan".
Imagine-se que elas percebem que eu as percebo!?
Creepy...