Aborto. Perguntas e Respostas
Respondendo ao teu texto, Perguntas e Dúvidas III, penso tratar-se essa questão, desculpa-me, de mera retórica, aliás ela é comummente invocada pelos defensores do Não. Se o limite fosse estabelecido até às 12 semanas, então invocariam o caso particular da mulher que abortou às doze semanas e um dia... Não nos leva a parte nenhuma. Só conduz à paralisia. E a paralisia neste caso é continuar a assistir ao flagelo do aborto clandestino e ao aviltamento de mulheres obrigadas a comparecer perante os tribunais por causa de uma questão como esta. Que é do foro íntimo e privado.
Tenho a impressão de que, para alguns liberais (não estou a dizer que seja o teu caso), a liberdade individual se resume às mercadorias que se compram e vendem no mercado, às tais curvas da oferta e da procura. Quando entramos no terreno dos valores, logo não hesitam em impor a sua moral, consubstanciada na defesa da vida em abstracto, longe portanto das impurezas do sensível, a todos os que não comungam de tais posições .
A vida não é mais do que um processo e, por isso, qualquer prazo que fixemos não está isento de uma certa dose de arbitrariedade. Sem dúvida que há muito de verdade nisso.
Mas não estamos no domínio das soluções ideais, e a prática do aborto será sempre um dilema moral que se coloca antes de mais ao indivíduo, pois é da sua esfera de decisão, à qual o Estado não deve sobrepor-se.
Quando falamos em dez semanas (estou a citar de cor o Albino Aroso, pai do planeamento familiar no nosso país e uma figura que eu sei que te é familiar), referimo-nos ao período em que ainda não está formado o sistema nervoso central, muito embora não saibamos determinar o momento exacto em que este se forma, pois a vida é acima de tudo, como disse atrás, “um processo”. As dez ou as dozes semanas são os limites normalmente aceites pela comunidade científica e pelo legislador na generalidade dos países europeus (as excepções somos nós, a Irlanda e a Polónia). Mas não deixamos de estar no plano da dura realidade, não no mundo das ideias puras, dos princípios imaculados que não são desta vida.
É evidente que toda esta argumentação cai por terra, se considerarmos a vida como um valor absoluto, da ordem da metafísica. Mas sabemos que as coisas não são bem assim, na imperfeita realidade da vida somos obrigados a fazer escolhas nem sempre fáceis. Se atribuímos ao embrião ou ao feto a personalidade jurídica da pessoa humana, como decidir da vida ou da morte em caso de uma gravidez que implique sério risco para a vida da mulher? Quem deve viver ou morrer em tais circunstâncias? Neste caso, estamos sempre a ferir o princípio da vida, pois alguém terá de ser sacrificado. É por isso que a questão do aborto deve ser regulada no plano concreto, com bom-senso e razoabilidade, que é o que me parece que a lei que iremos referendar em Fevereiro traz. Estabelece-se um prazo em que a decisão é da mulher e do seu círculo íntimo. Mas acima de tudo dela. Quem não aceita a despenalização do aborto, está inevitavelmente a sobrepor a sua razão à dela. Mas é um dado incontornável que é ela, nas suas circunstâncias de vida, que está em melhores condições para decidir. Não nós.
Voltando atrás, a questão dos prazos ou limites não é solução perfeita, mas neste domínio nós não temos que inventar a roda. Existem países que têm, há quase trinta anos, implementada a legislação (refiro-me à proposta de alteração à lei consubstanciada na pergunta) que agora nos preparamos para referendar, e não consta que eles tenham sido confrontados com tantas excepções (mulheres a abortar fora do prazo estabelecido) a ponto de equacionarem a revogação das leis então aprovadas. Já te interrogaste por que razão a prática do aborto, dentro dos limites estabelecidos, deixou na generalidade destes países de ser questão política? Nenhuma formação partidária se tem atrevido a levar a questão ao parlamento ou a desencadear movimentos de vocação referendária. É consensual à esquerda e à direita. Sinal de sociedades amadurecidas? No chamado mundo ocidental desenvolvido (fora as excepções portuguesa, irlandesa e polaca), o aborto só tem existência política nos EUA, e ainda assim só nas terras da América profunda.
P.S. Respondendo à tua última pergunta, saber se é legal/ possível o homem impedir a mulher com quem tem uma relação amorosa ou afectiva de abortar, creio que estamos perante a cruel realidade da vida. Só temos como arma a persuasão (de que vale chamar à colação o Estado?). É a biologia, meu caro. Ou a lei de Deus, se quiseres.
A Fernanda Câncio responde melhor do que eu à tua pergunta.
Tenho a impressão de que, para alguns liberais (não estou a dizer que seja o teu caso), a liberdade individual se resume às mercadorias que se compram e vendem no mercado, às tais curvas da oferta e da procura. Quando entramos no terreno dos valores, logo não hesitam em impor a sua moral, consubstanciada na defesa da vida em abstracto, longe portanto das impurezas do sensível, a todos os que não comungam de tais posições .
A vida não é mais do que um processo e, por isso, qualquer prazo que fixemos não está isento de uma certa dose de arbitrariedade. Sem dúvida que há muito de verdade nisso.
Mas não estamos no domínio das soluções ideais, e a prática do aborto será sempre um dilema moral que se coloca antes de mais ao indivíduo, pois é da sua esfera de decisão, à qual o Estado não deve sobrepor-se.
Quando falamos em dez semanas (estou a citar de cor o Albino Aroso, pai do planeamento familiar no nosso país e uma figura que eu sei que te é familiar), referimo-nos ao período em que ainda não está formado o sistema nervoso central, muito embora não saibamos determinar o momento exacto em que este se forma, pois a vida é acima de tudo, como disse atrás, “um processo”. As dez ou as dozes semanas são os limites normalmente aceites pela comunidade científica e pelo legislador na generalidade dos países europeus (as excepções somos nós, a Irlanda e a Polónia). Mas não deixamos de estar no plano da dura realidade, não no mundo das ideias puras, dos princípios imaculados que não são desta vida.
É evidente que toda esta argumentação cai por terra, se considerarmos a vida como um valor absoluto, da ordem da metafísica. Mas sabemos que as coisas não são bem assim, na imperfeita realidade da vida somos obrigados a fazer escolhas nem sempre fáceis. Se atribuímos ao embrião ou ao feto a personalidade jurídica da pessoa humana, como decidir da vida ou da morte em caso de uma gravidez que implique sério risco para a vida da mulher? Quem deve viver ou morrer em tais circunstâncias? Neste caso, estamos sempre a ferir o princípio da vida, pois alguém terá de ser sacrificado. É por isso que a questão do aborto deve ser regulada no plano concreto, com bom-senso e razoabilidade, que é o que me parece que a lei que iremos referendar em Fevereiro traz. Estabelece-se um prazo em que a decisão é da mulher e do seu círculo íntimo. Mas acima de tudo dela. Quem não aceita a despenalização do aborto, está inevitavelmente a sobrepor a sua razão à dela. Mas é um dado incontornável que é ela, nas suas circunstâncias de vida, que está em melhores condições para decidir. Não nós.
Voltando atrás, a questão dos prazos ou limites não é solução perfeita, mas neste domínio nós não temos que inventar a roda. Existem países que têm, há quase trinta anos, implementada a legislação (refiro-me à proposta de alteração à lei consubstanciada na pergunta) que agora nos preparamos para referendar, e não consta que eles tenham sido confrontados com tantas excepções (mulheres a abortar fora do prazo estabelecido) a ponto de equacionarem a revogação das leis então aprovadas. Já te interrogaste por que razão a prática do aborto, dentro dos limites estabelecidos, deixou na generalidade destes países de ser questão política? Nenhuma formação partidária se tem atrevido a levar a questão ao parlamento ou a desencadear movimentos de vocação referendária. É consensual à esquerda e à direita. Sinal de sociedades amadurecidas? No chamado mundo ocidental desenvolvido (fora as excepções portuguesa, irlandesa e polaca), o aborto só tem existência política nos EUA, e ainda assim só nas terras da América profunda.
P.S. Respondendo à tua última pergunta, saber se é legal/ possível o homem impedir a mulher com quem tem uma relação amorosa ou afectiva de abortar, creio que estamos perante a cruel realidade da vida. Só temos como arma a persuasão (de que vale chamar à colação o Estado?). É a biologia, meu caro. Ou a lei de Deus, se quiseres.
A Fernanda Câncio responde melhor do que eu à tua pergunta.