segunda-feira, janeiro 29, 2007

Impasses

Escândalo urbanístico na Câmara de Lisboa e pacote legislativo sobre a corrupção embargado pelo primeiro-ministro José Sócrates, acontecimentos sem qualquer nexo de causalidade, mas que são reveladores dos impasses que assolam a nossa política.
E se em política o que parece é, então demos mais um passo no sentido do descrédito das instituições e, em último grau, da política.
Em Lisboa, o executivo, mesmo se gravemente amputado (com a saída da vereadora que detinha o urbanismo e do respectivo director do departamento), persiste em manter-se à frente dos destinos da principal câmara do país e conta (facto que nos dias de hoje não nos deve espantar) com o apoio da oposição (a única voz que parece dissonante é a de José Sá Fernandes), que, manietada ou impreparada, prefere o inexorável apodrecimento da situação a um cenário precoce de eleições. Para prejuízo da instituição Câmara Municipal de Lisboa e da democracia local.
A estabilidade, esse velho valor salazarento, é dogma que a tudo se sobrepõe. E assim os partidos da oposição evitam os riscos de uma clarificação política, fugindo das eleições como o diabo da Cruz. Mas é uma ilusão pensar que não sairão chamuscados de toda esta situação.
Na Assembleia da República, José Sócrates preferiu o mediático tema do aquecimento global à corrupção que vai minando a credibilidade das instituições democráticas. Mas não deixou de tecer considerações, por sinal assaz deselegantes, sobre a generalidade das propostas contidas no anunciado pacote legislativo de combate à corrupção, da autoria do deputado João Cravinho.
Recorrendo à mais despudorada demagogia política, José Sócrates invocou a inversão do ónus da prova na espinhosa questão do enriquecimento ilícito dos titulares de cargos políticos executivos, aí vislumbrando um grave atentado aos direitos e garantias dos cidadãos. Ridicularizou as propostas de Cravinho, sugerindo que as mesmas seriam dignas de uma qualquer república bolivariana da América Latina, ou mesmo da totalitária Coreia do Norte, e não de um estado europeu, moderno e civilista. Esqueceu-se o nosso primeiro-ministro de que o deputado do seu próprio partido, João Cravinho, até nem teve de inventar a roda; tão-só se baseou, para o aludido pacote legislativo de combate à corrupção, na legislação em vigor em democracias antigas do que a nossa, da estirpe da velha Albion, por exemplo. Ou nas convenções europeias que se têm debruçado sobre o problema da corrupção.
De tudo isto sobressai a impressão de que o interesse corporativo falou mais alto, se o primeiro-ministro não anunciar proximamente medidas alternativas, já que o aludido pacote legislativo não serve o interesse do país. Se não o fizer, está a contribuir para a erosão moral do sistema democrático, que precisa de passar mensagem, aos cidadãos, de que é eficaz no combate à corrupção.
Parafraseando Max Weber, é importante que os nossos eleitos, deputados e titulares de cargos políticos executivos, dêem a impressão de que vivem para a política e não da política. Se insistem em passar junto dos cidadãos a ideia contrária, então estão a prazo a contribuir para a ruína da democracia.