A Segunda Versão do Debate
Ontem, mais um Prós e Contras dedicado ao tema do aborto, espécie de segunda oportunidade generosamente concedida, pela inefável Fátima Campos Ferreira, aos partidários do Não (que diga-se eram um pouco melhores do que os da semana passada).
Algumas impressões do debate de ontem à noite.
Estranhei o tempo despendido, pela moderadora, com a proposta da deputada socialista Rosário Carneiro (já tem algum tempo, mas foi catapultada para a ribalta por Marques Mendes). Afinal de contas, independentemente do juízo de valor que sobre ela façamos, não vai a votos no próximo dia 11 de Fevereiro.
Lançada à discussão nesta altura, soa a gesto de oportunismo por parte dos que se opõem à despenalização da IVG nas condições propostas na pergunta submetida referendo (para sermos rigorosos, a proposta de Rosário Carneiro é apenas subscrita por uma parte do Não, dado muitos dos que se situam neste campo terem vindo a terreiro denunciar a ilegitimidade da mesma por atentar contra o instrumento do referendo).
Sobre a proposta aludida, deixariam as mulheres de ser submetidas a pena de prisão, mas o aborto continuaria a ser crime à luz do direito. Continuariam por isso sujeitas ao calvário da investigação pericial e policial, nada mais aviltante para a sua dignidade. Haveria apenas uma suspensão provisória do processo, o que implicaria o reconhecimento, por parte da mulher que abortou, da natureza ilícita desse acto. E nada nos disseram sobre as sanções alternativas à pena de prisão: ressocialização, reeducação ou a obrigação de prestar serviço à comunidades são coisas que pairariam, em caso (improvável) de aplicação desta novidade jurídica. Além de humilhante, temos, uma vez mais, a recusa em reconhecer, sob determinadas condições, o livre arbítrio das mulheres. Ficou patente no debate de ontem à noite.
Por fim, o aborto continuaria confinado às margens da clandestinidade, visto manter-se na lei a penalização que recai sobre aquele que “por qualquer meio e com consentimento da mulher grávida a fizer abortar...” (N.º 2 do Artigo 140 .º do Código Penal).
Os subscritores desta proposta parecem preferir a sórdida realidade do aborto clandestino à sua prática “em estabelecimento de saúde autorizado”, como é proposto na questão submetida a referendo.
Duas notas para terminar.
De Londres, qual coelho saído da cartola do Não, uma reputada investigadora portuguesa disse estar na vanguarda científica, e que os seus estudos sobre a dor do feto tinham chegado até ao parlamento (a Câmara dos Comuns); pelo que sei, não consta que tais estudos tenham sequer beliscado o Abortion Act (1967), que despenalizou esta prática no Reino Unido.
Uma médica, também portuguesa, relatou-nos a sua experiência na Suíça, onde chefia um departamento de planeamento familiar que também pratica a interrupção voluntária da gravidez. Disse ser esta prática extremamente baixa naquele país (onde a lei prevê a IVG até as dez semanas a pedido da mulher, uma formulação em tudo similar a que nos preparamos para referendar), em virtude da eficácia das políticas e programas de prevenção e educação sexual implementadas na escola. Revelou ainda que as consultas de aconselhamento médico têm em muitos casos demovido a mulher grávida da decisão de abortar. Penso ser este o caminho que temos de trilhar, e não o da penalização e aviltamento da dignidade da mulher.
Algumas impressões do debate de ontem à noite.
Estranhei o tempo despendido, pela moderadora, com a proposta da deputada socialista Rosário Carneiro (já tem algum tempo, mas foi catapultada para a ribalta por Marques Mendes). Afinal de contas, independentemente do juízo de valor que sobre ela façamos, não vai a votos no próximo dia 11 de Fevereiro.
Lançada à discussão nesta altura, soa a gesto de oportunismo por parte dos que se opõem à despenalização da IVG nas condições propostas na pergunta submetida referendo (para sermos rigorosos, a proposta de Rosário Carneiro é apenas subscrita por uma parte do Não, dado muitos dos que se situam neste campo terem vindo a terreiro denunciar a ilegitimidade da mesma por atentar contra o instrumento do referendo).
Sobre a proposta aludida, deixariam as mulheres de ser submetidas a pena de prisão, mas o aborto continuaria a ser crime à luz do direito. Continuariam por isso sujeitas ao calvário da investigação pericial e policial, nada mais aviltante para a sua dignidade. Haveria apenas uma suspensão provisória do processo, o que implicaria o reconhecimento, por parte da mulher que abortou, da natureza ilícita desse acto. E nada nos disseram sobre as sanções alternativas à pena de prisão: ressocialização, reeducação ou a obrigação de prestar serviço à comunidades são coisas que pairariam, em caso (improvável) de aplicação desta novidade jurídica. Além de humilhante, temos, uma vez mais, a recusa em reconhecer, sob determinadas condições, o livre arbítrio das mulheres. Ficou patente no debate de ontem à noite.
Por fim, o aborto continuaria confinado às margens da clandestinidade, visto manter-se na lei a penalização que recai sobre aquele que “por qualquer meio e com consentimento da mulher grávida a fizer abortar...” (N.º 2 do Artigo 140 .º do Código Penal).
Os subscritores desta proposta parecem preferir a sórdida realidade do aborto clandestino à sua prática “em estabelecimento de saúde autorizado”, como é proposto na questão submetida a referendo.
Duas notas para terminar.
De Londres, qual coelho saído da cartola do Não, uma reputada investigadora portuguesa disse estar na vanguarda científica, e que os seus estudos sobre a dor do feto tinham chegado até ao parlamento (a Câmara dos Comuns); pelo que sei, não consta que tais estudos tenham sequer beliscado o Abortion Act (1967), que despenalizou esta prática no Reino Unido.
Uma médica, também portuguesa, relatou-nos a sua experiência na Suíça, onde chefia um departamento de planeamento familiar que também pratica a interrupção voluntária da gravidez. Disse ser esta prática extremamente baixa naquele país (onde a lei prevê a IVG até as dez semanas a pedido da mulher, uma formulação em tudo similar a que nos preparamos para referendar), em virtude da eficácia das políticas e programas de prevenção e educação sexual implementadas na escola. Revelou ainda que as consultas de aconselhamento médico têm em muitos casos demovido a mulher grávida da decisão de abortar. Penso ser este o caminho que temos de trilhar, e não o da penalização e aviltamento da dignidade da mulher.