terça-feira, abril 17, 2007

Cinema e Situacionismo



















Sábado à tarde passado sob o signo da vanguarda, que outra coisa poderíamos dizer da integral dos filmes de Guy Debord, promovida pela Culturgest, com o sugestivo título de Com e Contra o Cinema.
Fui ver dois filmes, L’Anticoncept, de Gil J Wolman, e Hurlements en faveur de Sade, de Debord. Gil J Woolman foi figura do movimento letrista, com uma obra multiforme, da poesia ao trabalhos vídeos (calcula-se que à mistura com muita agit e prop); Debord tomou o L’ Anticoncept como modelo para o seu Hurlements...
Os dois filmes são manifestos anti-cinema, não há neles nem imagem nem movimento. Vê-se que foram feitos para desafiar as representações da arte e da política, constituindo-se em manifestos contra as imagens. Porque as imagens deixaram de ser revolucionárias, sendo agora o cerne da separação. O Cinema assim apresenta-se como um substituto passivo da actividade artística unitária..., escrevia-se no N.º1 da Internationale Situationiste (Junho de 1958).
Eu sabia mais ou menos ao que ia, mas mesmo assim confesso que L’anticoncept é uma experiência curiosa (não encontro outra palavra). No palco, é projectada uma luz branca em forma de globo (pelo link da wikipedia, descubro que o filme foi projectado sobre um balão-sonda) E depois há apenas a voz. A voz que assinala acontecimentos fundadores do cinema e que depois se entrega a formulações amorosas vagamente hegelianas: «Amo-te não te amo mais. Ela ama outra».
«Sob a máscara ela deve ser bonita ela deve ser feia».
TEOREMA
«Não existe negação que não se afirme noutro lugar». Uma voz que grita, uiva e geme. E que no fim se lança numa grande deriva onomatopaica.
O sonoro é aqui o elemento por excelência, o que em si é a própria negação do cinema.
Filme saído em 1952, L’Anticoncept causou escândalo e chegou mesmo a ser proibido pela censura. Sobre ele disse Debord que era mais ofensivo hoje que as imagens de Eisenstein que tanto tememos durante muito tempo na Europa.
Hurlements en faveur de Sade tem apenas dois tons, o branco para os diálogos e o negro para os silêncios . Os diálogos são feitos de frases de que Debord se apropriou. Frases descontextualizadas, que tanto podem provir da literatura como do cinema ou do código civil francês ; ou apenas ser o produto de improvisações. Sempre sob o fundo branco do ecrã. Há uma voz que exclama, «é cinema!», ao que se segue outra que nos diz que «a polícia parisiense está equipada com 30.000 matracas.» Depois, quatro minutos de silêncio com o ecrã a negro. Eu não cheguei ao fim, é como se tivesse visto "a versão interrompida" (este filme quando estreou, em 1952, foi interrompido por vários tumultos, chegando até a haver violência). Não fiquei por isso para os célebres vinte e quatro minutos em que ecrã permanece a negro. Em silêncio.
Mas lá mais para noite regressei ao “velho cinema”. Fui ver um belo filme de Mikio Naruse. UGIKIMO/Nuvens Flutuantes.

P.S. As frase em itálico foram retiradas dos folhetos da cultugest.