Dois filmes que vi no Festróia
Não sei se é do calor que entorpece o corpo e a alma ou tão-só falta de inspiração, mas a verdade é que a escrita tem rareado.
Sobre o Festróia, não em jeito de balanço, apenas para destacar dois filmes, os que para mim marcaram a vigésima terceira edição deste evento dedicado à sétima arte.
Nenhum deles foi premiado, um nem sequer estava em competição.
Iska's Journey, do cineasta húngaro Csaba Bollók, filma o duro quotidiano de uma rapariga de doze anos, obrigada sobreviver em condições de extrema pobreza. Passado no Vale de Jiul (parte da Roménia, mas onde muitos dos seus habitantes são etnicamente húngaros), região outrora conhecida pelas suas cidades mineiras e certamente parte identitária do socialismo real, é hoje um lugar em profunda crise. Poucas minas sobreviveram ao advento das reformas económicas, que para muitas comunidades desta região nada significaram a não ser opróbrio. É neste mundo de decomposição industrial que vamos encontrar Iskas, por entre as lixeiras de destroços e escórias. Filme agreste, consegue porém alcançar uma estranha beleza, muito por força da vitalidade dos planos e da fotografia, evitando sempre a armadilha da esteticização da miséria.
Do cineasta checo Jirí Menzel, homenageado no Festróia, vimos “Eu servi o Rei de Inglaterra”, o seu filme mais recente; deliciosamente mordaz.
Visualmente muito sedutor, narra-nos o sonho de ser milionário que percorre a vida de um empregado de mesa dos luxuosos hotéis de Praga. E é também um olhar sobre a história. Debruça-se longamente sobre a luxuriante euforia dos anos vinte, onde, entre outras coisas, vemos o nosso herói, Jan Dítě, receber uma medalha das mãos do Imperador da Etiópia (uma cena de antologia; e também das vantagens em ser baixo de estatura). Depois, as reivindicações alemãs sobre os Sudetas, com a ascensão do nazismo ao poder, e a denúncia “da mentira que era Checoslováquia”, que culminará na anexação. Mas o período da ocupação até que nem foi prejudicial para Jan Dítě; dos amores de uma jovem ariana à colecção de selos que lhe permitirá finalmente, quando acaba a guerra, ser milionário e comprar o hotel. O nosso herói não contava era com advento do comunismo, prodigiosamente encenado nas figuras de um operário (colarinho azul) e de um intelectual (o casaco e óculos enquanto signos). Jan vai perder o hotel, que passa a “ser do povo”, e a sua condição de milionário, ao confessar aos representantes da nova ordem ser possuidor de um fortuna avaliada em 15 mil…, vai valer-lhe uma condenação a quinze anos de prisão. É amnistiado ao fim de catorze anos e alguns meses mais e vai viver para uma região remota, na fronteira, onde outrora habitavam os colonos alemães. Jan mantém aí uma forte relação com passado, como se estivesse irmanado com a História.
Sobre o Festróia, não em jeito de balanço, apenas para destacar dois filmes, os que para mim marcaram a vigésima terceira edição deste evento dedicado à sétima arte.
Nenhum deles foi premiado, um nem sequer estava em competição.
Iska's Journey, do cineasta húngaro Csaba Bollók, filma o duro quotidiano de uma rapariga de doze anos, obrigada sobreviver em condições de extrema pobreza. Passado no Vale de Jiul (parte da Roménia, mas onde muitos dos seus habitantes são etnicamente húngaros), região outrora conhecida pelas suas cidades mineiras e certamente parte identitária do socialismo real, é hoje um lugar em profunda crise. Poucas minas sobreviveram ao advento das reformas económicas, que para muitas comunidades desta região nada significaram a não ser opróbrio. É neste mundo de decomposição industrial que vamos encontrar Iskas, por entre as lixeiras de destroços e escórias. Filme agreste, consegue porém alcançar uma estranha beleza, muito por força da vitalidade dos planos e da fotografia, evitando sempre a armadilha da esteticização da miséria.
Do cineasta checo Jirí Menzel, homenageado no Festróia, vimos “Eu servi o Rei de Inglaterra”, o seu filme mais recente; deliciosamente mordaz.
Visualmente muito sedutor, narra-nos o sonho de ser milionário que percorre a vida de um empregado de mesa dos luxuosos hotéis de Praga. E é também um olhar sobre a história. Debruça-se longamente sobre a luxuriante euforia dos anos vinte, onde, entre outras coisas, vemos o nosso herói, Jan Dítě, receber uma medalha das mãos do Imperador da Etiópia (uma cena de antologia; e também das vantagens em ser baixo de estatura). Depois, as reivindicações alemãs sobre os Sudetas, com a ascensão do nazismo ao poder, e a denúncia “da mentira que era Checoslováquia”, que culminará na anexação. Mas o período da ocupação até que nem foi prejudicial para Jan Dítě; dos amores de uma jovem ariana à colecção de selos que lhe permitirá finalmente, quando acaba a guerra, ser milionário e comprar o hotel. O nosso herói não contava era com advento do comunismo, prodigiosamente encenado nas figuras de um operário (colarinho azul) e de um intelectual (o casaco e óculos enquanto signos). Jan vai perder o hotel, que passa a “ser do povo”, e a sua condição de milionário, ao confessar aos representantes da nova ordem ser possuidor de um fortuna avaliada em 15 mil…, vai valer-lhe uma condenação a quinze anos de prisão. É amnistiado ao fim de catorze anos e alguns meses mais e vai viver para uma região remota, na fronteira, onde outrora habitavam os colonos alemães. Jan mantém aí uma forte relação com passado, como se estivesse irmanado com a História.