sexta-feira, junho 29, 2007

O sonho palestiniano ameaçado

Devia ainda notar-se que o mundo árabe está em muitos maus lençóis. Todos os seus governantes sem excepção são tirânicos e anti-democráticos. Não há democracia: Os árabes estão a pagar o pior dos preços de tudo isso. Esse preço não está a ser pago pelos Estados Unidos. Está a ser cobrado aos árabes cuja situação geral – quer em termos de saúde ou educação, transportes ou meio ambiente – tem vindo a piorar inexoravelmente ao longo dos últimos anos, nunca de modo mais acelerado do que a partir do momento em que o processo de paz teve início, nos começos da década de 1990. E penso que tudo isto pode explicar porque é que a Palestina se tornou uma espécie de catalisador da opinião árabe a nível mundial. Nela está representada a injustiça do governante contra o governado – quer se trate dos israelitas que governam os palestinianos ou dos palestinianos que governam palestinianos, usando a Autoridade Palestiniana contra cidadãos palestinianos, em territórios ocupados por Israel…
Edward Said, entrevistado por David Barsamian, 9 Novembro de 2000. In Cultura e Resistência.

As palavras de Edward Said não sofreram, infelizmente, a erosão do tempo. Ao invés, permanecem plenas de actualidade; na narração da triste sorte da maioria das nações árabes, mergulhadas no mau governo e no despotismo; no que já deixavam prenunciar, sobre a desgraça que entretanto se abateu sobre a Palestina, agora cindida em duas unidades político-territoriais. Oslo desembocou no desespero, e o sonho da autodeterminação palestiniana ameaça ser submergido pela luta sectária. Certamente que, para a materialização do mais pessimista dos cenários (bem, os optimistas dirão sempre que podia ser pior), cabem culpas aos palestinianos, nomeadamente os erros de governação de uma Fatah cada vez mais atolada na corrupção e no banditismo e que fez do Hamas a alternativa política aos olhos de tantos e tantos cidadãos palestinianos. Mas não podemos esquecer a destruição das instituições que davam corpo à Autoridade Palestiniana, levada a cabo pelo consulado de Ariel Sharon, por exemplo, os bombardeamentos que praticamente reduziram a cinzas as instalações dos principais ministérios, como o da Educação, do Planeamento ou até o Instituto de Estatística, e que na prática levaram à decomposição do frágil edifício político palestiniano. Do vazio do poder assim criado (com parte das forças de segurança da AP a engrossarem o mundo do crime, como se viu em Gaza), emergiu o Hamas, que acabou legitimado em eleições democráticas. Europeus e Americanos depressa decretaram sanções ao recém-eleito governo islamista; gesto precipitado, porque fragilizou ainda mais instituições da AP, tornando cada vez mais penosa a vida dos palestinianos. Além disso, inviabilizou qualquer processo de aggiornamento dos governantes do Hamas, reféns da ala mais irredutível.
Evidentemente que a estabilidade não podia brotar de um tal clima político, cujo resultado mais imediato foi o que se viu em Gaza, de onde quase desapareceram os vestígios da Fatah e o Hamas é hoje lei (ao que parece, respira-se agora, nessa depauperada faixa costeira, mais segurança, a avaliar por uma reportagem muito interessante do jornal PÚBLICO). Preparam-se os putativos líderes do Ocidente e da Comunidade Internacional para criar um cordão sanitário em torno de Gaza e levantar as sanções à Cisjordânia, sob controlo da Fatah. É persistir no erro, é a receita para o desastre!