quinta-feira, novembro 22, 2007

Coisas sobre Chávez e os nossos analistas

A propósito da (curta) visita de Hugo Chávez ao nosso país, logo apareceram os do costume, os tais jornalistas e editores muito dados a patrões da opinião pública, vertendo lágrimas pelo estado da (“ainda”) democracia venezuelana.

O discurso ad nauseam sobre o fecho do canal privado RCTV (esquecendo o papel dessa televisão no golpe de estado), sobre o líder autoritário que ameaça o pluralismo democrático e a propriedade privada, enfim, sobre a Constituição que aí vem e o fim da separação dos poderes. Tudo num tom circunspecto, naturalmente, de quem conhece a fundo artes da política; tudo muito bem condimentado com a inevitável dose de eurocentrismo.

Ao lê-los, porque não há como evitar, pois eles ocupam as páginas dos jornais de referência, ficamos com a impressão de que a Venezuela era o melhor dos mundos antes de Chávez: uma democracia próspera sob o império da lei, governada por uma elite racional e responsável, hábil na gestão dos imensos recursos petrolíferos.

Evidentemente que tais luminárias nunca falam da pobreza endémica do país, nem de como esta tem vindo a diminuir com as políticas de Chávez; com as misiones que levam os cuidados básicos de saúde até aos mais pobres (José Manuel Fernandes, por exemplo, fala-nos das missões ideológicas dos cubanos, mas nem uma linha sobre as políticas socais, que ele despreza). É curioso como, à luz da novilíngua reinante, qualquer política de cariz redistributivo é sempre desperdício ou populismo, mas já passa ser do domínio da mui responsável gestão económica se consistir na distribuição dos lucros e dividendos do petróleo pelos accionistas e demais membros de um qualquer conselho administração. Estamos no mundo às avessas de Eduardo Galeano.

Devo dizer que há muita em coisa em Chávez de que discordo, desde logo, o lastro de populismo, a vontade de se perpetuar, mesmo que tudo tenha obtido pelo voto dos eleitores (algo que os doutos analistas esquecem ou menosprezam; eles preferem sem dúvida aqueles democratas que o tentaram derrubar através do recurso ao golpe de estado…). Mas não tenho quaisquer complexos em louvar a política de redistribuição social que ele pôs em prática. A primeira do país. A primeira vez que um governante venezuelano ousou empregar os proventos dos petróleo para melhor a condição dos que pouco ou nada têm.


P.S. Este artigo da Francisca Gorjão hernriques constitui a excepção à regra, pois dá voz a outras vozes.