A Quinta da Fonte e os especialistas
Quem sai de um bairro de barracas para ser realojado em casas da habitação especial tem uma expectativa. "A mudança é vista como a possibilidade de upgrade social", diz Fonseca Ferreira, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região de Lisboa e Vale do Tejo. Contudo, "basta andar pelos arredores de Lisboa para distinguirmos os bairros sociais do resto; distinguimo-los pela arquitectura, pelo volume dos edifícios, pelo urbanismo, há uma marca social", com o estigma que isso acarreta. E quaisquer expectativas de upgrade acabam por sair frustradas, diz. Na Suécia ou na França, este tipo de distinção deixou de existir há anos. "Em Portugal continuamos a apostar numa arquitectura diferenciada das zonas que rodeiam os bairros." É um erro. Há excepções: "Na Alta de Lisboa está a apostar-se numa habitação social diferente, os prédios de habitação social são iguais aos outros."
Excerto de um artigo do PÚBLICO, 17-07-08
Detenho-me nas palavras de Fonseca Ferreira, presidente da Comissão de Coordenação de Lisboa e Vale do Tejo, não pela sua originalidade, longe, muito longe disso, mas pelo reprodução ad nauseam da tese de que basta ter bom urbanismo para os problemas se dissiparem.
É assim, sempre que se fala de habitação social. O que normalmente acontece pelas piores razões, como é agora o caso do Bairro da Quinta da Fonte, em Loures. E lá vem a velha cantiga de que lá fora é que é! A França, a Suécia...Interrogo-me se o presidente da CCDRLVT lê a imprensa on-line lá de fora, que não raro nos brinda com acontecimentos bem piores do que os ocorridos na Quinta da Fonte. E nem o admirável mundo nórdico da habitação social foge à regra. Portugal está longe de ser uma triste excepção, em matéria de comportamento disruptivos e de conflitualidade nos chamados bairros socais. E os níveis de violência urbana até são aqui bem menores do que noutras paragens dessa próspera Europa social.
Eric Hobsbawm escrevia, na Era dos Extremos, que as sociedades europeia e norte-americana não encontravam forma de lidar com populações empobrecidas e desenraizadas, em resultado do fenómeno mais geral de decomposição da classe operária. Ele via nisso um (triste) traço das nossas civilizações. Mas Hobsbawan é um historiador, não um desses especialistas…
A profissão de fé nas virtudes do urbanismo, capaz de transformar o pior dos bandidos num pacífico cidadão cumpridor das suas obrigações fiscais, está assaz disseminada. Dos especialistas aos profissionais da imprensa, passando pelo indígena luso/treinador de bancada, esta gente acredita que o urbanismo muda o comportamento humano! É o velho subtexto de engenharia social que só pode desembocar em equívocos. Eu aconselharia alguma modéstia a essa legião voluntarista de críticos.
Afirmar que os moradores dos bairros de habitação social não têm todos o mesmo comportamento, que este é diverso e variável (à semelhança do que sucede em qualquer outro bairro do país) já seria um começo. É que para estigmatizar populações não há nada como o discurso dos especialistas.