Os professores, a revolta e a servidão voluntária
A grande manifestação dos professores levou-me a este texto do filósofo José Gil, que nos fala da domesticação da sociedade; das lógicas da obediência e da servidão.
Os professores revoltaram-se contra o insuportável peso de uma burocracia que vem desvirtuando essa nobre, e não há muito tempo ainda prestigiada, profissão que é a de ensinar. Ao atentar contra a função simbólica de ensinar, o Ministério da Educação atinge a escola pública, cujos resultados, ao longo destes mais de trinta anos de democracia, são assaz louváveis, não obstante o discurso catastrofista, dos publicistas do governo, nos fazer crer no contrário. É o discurso do aviltamento a preparar o terreno para a obediência. Num tempo de tecnocracias, nada como dar a palavra ao filósofo:
Um grupo social tornou-se emblemático desta conjuntura: o dos professores.
A sua situação não mudou. Justificaria ainda a saída à rua de 100.000 pessoas. Mas, precisamente, uma tal manifestação seria hoje impensável. O governo e o ME ganharam. Os espíritos estão parcialmente domados. Quebrou-se-lhes a espinha, juntando ao desespero anterior um desespero maior. O ambiente das escolas é agora de ansiedade, com a corrida ao cumprimento das centenas de regulamentações que desabam todos os dias do Ministério para os docentes lerem, interpretarem e aplicarem. Uma burocracia inimaginável devora as horas dos professores, em aflição constante para a conciliar com uma vida privada cada vez mais residual e mesmo com a preparação das lições, em desnorte com as novas normas (tal professor de filosofia a dar aulas de «baby sitting» em cursos profissionalizantes) – tudo isto sobre a ameaça de despromoção e do resultado da avaliação que pode terminar no desemprego.
Como foi isto possível? Como foi possível passar da contestação à obediência, da revolta à «servidão volunttária» como lhe chamava La Boétie?
José Gil, in Visão, 2 de Outubro.
José Gil errou ao julgar “impensável” a reedição da manifestação dos professores, e por números que excedem a primeira. Mas se tivermos em conta esse diagnóstico do dia-a-dia burocrático que Gil tão bem retratou, então só temos de considerar extraordinária a capacidade de mobilização de que os professores deram provas. Resta saber se os professores conseguirão vencer este combate. Que é também o de todos os que acreditam na escola pública.
Os professores revoltaram-se contra o insuportável peso de uma burocracia que vem desvirtuando essa nobre, e não há muito tempo ainda prestigiada, profissão que é a de ensinar. Ao atentar contra a função simbólica de ensinar, o Ministério da Educação atinge a escola pública, cujos resultados, ao longo destes mais de trinta anos de democracia, são assaz louváveis, não obstante o discurso catastrofista, dos publicistas do governo, nos fazer crer no contrário. É o discurso do aviltamento a preparar o terreno para a obediência. Num tempo de tecnocracias, nada como dar a palavra ao filósofo:
Um grupo social tornou-se emblemático desta conjuntura: o dos professores.
A sua situação não mudou. Justificaria ainda a saída à rua de 100.000 pessoas. Mas, precisamente, uma tal manifestação seria hoje impensável. O governo e o ME ganharam. Os espíritos estão parcialmente domados. Quebrou-se-lhes a espinha, juntando ao desespero anterior um desespero maior. O ambiente das escolas é agora de ansiedade, com a corrida ao cumprimento das centenas de regulamentações que desabam todos os dias do Ministério para os docentes lerem, interpretarem e aplicarem. Uma burocracia inimaginável devora as horas dos professores, em aflição constante para a conciliar com uma vida privada cada vez mais residual e mesmo com a preparação das lições, em desnorte com as novas normas (tal professor de filosofia a dar aulas de «baby sitting» em cursos profissionalizantes) – tudo isto sobre a ameaça de despromoção e do resultado da avaliação que pode terminar no desemprego.
Como foi isto possível? Como foi possível passar da contestação à obediência, da revolta à «servidão volunttária» como lhe chamava La Boétie?
José Gil, in Visão, 2 de Outubro.
José Gil errou ao julgar “impensável” a reedição da manifestação dos professores, e por números que excedem a primeira. Mas se tivermos em conta esse diagnóstico do dia-a-dia burocrático que Gil tão bem retratou, então só temos de considerar extraordinária a capacidade de mobilização de que os professores deram provas. Resta saber se os professores conseguirão vencer este combate. Que é também o de todos os que acreditam na escola pública.