terça-feira, outubro 27, 2009

DocLisboa- Irão I


Vários filmes provenientes ou centrados no Irão estiveram em destaque na edição deste ano.
Consegui ver dois destes filmes, Bassidijs, de Mehran Tamadon, e Green Days, de Hana Makhmalbaf.
O primeiro é um olhar sobre o universo dos Bassidjis. Os bassidjis são as milícias populares do regime iraniano, criadas no início da revolução islâmica e que desempenharam papel de relevo durante a guerra Irão-Iraque. Guerra longa de oito anos, causada pela agressão dos exércitos de Saddam Husseim.
Hoje, dedicam-se à promoção dos valores islâmicos e à prevenção do vício. Estão disseminados pelos bairros das principais cidades. Estão nas mesquitas, nas escolas, nas universidades e nos principais edifícios públicos.São, em suma, um dos pilares do regime dos mullahs. Um instrumento da repressão social.
Mehran Tamadon é um iraniano exilado em França, filho de um antigo militante comunista que combateu o regime do Xá Reza Pahlevi. Ateu confesso, esteve três anos entre os bassidjis, para melhor conhecer as motivações e o pensamento dos mais devotos apoiantes do regime islâmico. Seguiu três bassidjis, com destaque para o carismático Nader Malek, que geria um editora de propaganda religiosa. Não obstante as profundas diferenças ideológicas que separam os dois homens, pressente-se que há um sentimento de proximidade, talvez até de cumplicidade, que muito contribuiu para fazer deste filme um objecto singular.
O documentário começa em ritmo de entrevista, com a recolha de testemunhos dos Bassidijs: primeiro no grande memorial a céu aberto, junto à fronteira com Iraque, onde jazem os mártires da guerra, depois em Teerão, durante as cerimónias religiosas que recordam o martírio de Hossein (a Ashura); e por fim na casa dos livros, sede dos Bassidjis. Mas a entrevista depressa cede lugar ao debate, quando o realizador confronta os membros da milícia com testemunhos anónimos, gravados, entre os quais sobressai o de uma mulher, bastante crítica, que se refere aos bassidjis como pessoas que “nunca nos olham nos olhos”, que preferem desviar o seu olhar de nós. Este testemunho causou perturbação entre Malek e os restantes bassidjis presentes na editora. Hesitam…Por fim respondem que o olhar de uma mulher “pode mudar um homem, independentemente das convicções religiosas”. Que importa por isso tomar precauções para não sucumbir ao poder inscrito no olhar de uma mulher.É um momento marcante deste magnífico documentário que soube tão bem devolver-nos o olhar dos bassidjis.
Mehran Tamadon não é observador neutro, toma parte activa no debate, no questionamento dos pontos de vistas dos bassidjis. E o documentário acaba em dialéctica.
No debate que se seguiu ao documentário, o realizador disse acreditar numa via reformista para a democracia no Irão. E isso não se faz sem conhecer a mentalidade do Outro.