"Ser Setubalense": conversas entre bloggers - IV
Responde o João Aldeia:
Caro Luis Silva: essa sua separação entre quem lá colocou os monumentos e os habitantes da cidade, para mim, não faz qualquer sentido. Afinal quem é que lá colocou os monumentos? Se não foram sesimbrenses, ou palmelenses, ou lisboetas (e certamente que não foram) então, foram os setubalenses. É claro que podemos depois esmiuçar o processo político subjacente, mas tanto quanto sei aqui funciona a democracia, e foram também os setubalenses que escolheram os seus representantes.
Se formos a Antuérpia e virmos lá um monumento que nos agrade (ou desagrade), não nos pomos a cogitar: "Quem é que terá posto aqui isto? Foram os habitantes de Antuérpia ou terão sido políticos sem mandato eleitoral para tal?" Não faz sentido, não é?
Finalmente: não tenho nada essa visão negativa dos monumentos e, em todo o caso, penso que o seu valor não pode nunca ser medido pelo que custaram (pode-se achar que foi dinheiro mal empregue, mas não é o custo que valoriza a obra), nem esse valor pode ser medido por serem feitos de determinados materiais, nobres ou sucata que seja, nem são maus só porque foram mandados colcar pelo Estado. Meter isto na conversa é ir buscar argumentos laterais.
Os monumentos possuem uma carga simbólica muito importante, sendo das coisas mais antigas que a humanidade criou. Não me diga que também não é o Estado que se deve encarregar disso. Então quem será? E porque é que não o fazem?
O monumento da Praça de Portugal, dito "ao 25 de Abril e às Nacionalizações", é muito interessante. Quando oiço dizer mal dele faço duas perguntas: (1) o porquê de o criticarem tanto (ainda não recebi uma resposta objectiva, com pés e cabeça: apenas manobras de evasão e críticas vagas) e (2) se já tentaram entender o seu significado, assim um pouco à "Descartes": esquecer tudo o que se ouviu e os preconceitos políticos. Mas por esta altura já as pessoas começam a estar muito fartas da minha conversa (provavelmente porque a dificuldade em dar respostas revela que...)
E que dizer do boato que corre há anos em Setúbal (repetido por pessoas cultas!) de que nas estátuas de mulheres da fonte luminosa faltam, à cabeça, uns cestos com produtos da região? Ouvi um presidente de Câmara, numa sessão pública, afirmar que quando tivesse dinheiro mandava lá por os cestos! Entretanto, a viuva do escultor ameaçou colocar a Câmara em tribunal se adulterarem a obra. O problema aí não é certamente dos polítcos que lá colocaram as estátuas...
Os monumentos representam as suas épocas: não pode deixar de ser assim, é incontornável. Se os monumentos não prestam - e admito que seja o caso - então lamento os setubalenses, porque os seus monumentos são o seu espelho.
No entanto, eu próprio vejo muito valor nesses monumentos, mesmo quando têm uma carga ideológica que não me agrada. Chamava-se a isso tolerância.