Votar Sim
Começo por um estudo que descobri no blog Sim no Referendo, graças ao João Sedas Nunes.
Centrado no caso Espanhol, procurou medir o impacto da liberalização em Espanha, nomeadamente aferir se o aborto aumentou ou diminuiu na sequência da nova legislação mais permissiva. Fiz uma tradução (mais ou menos fiel) deste excerto:
“No decurso dos anos oitenta, teve lugar em Espanha a discussão do aborto, o que deu origem a um clima socialmente mais tolerante que se traduziu, em 1985, na descriminalização parcial da interrupção voluntária da gravidez: antes disso, as mulheres espanholas eram obrigadas a abortar ilegalmente, na clandestinidade, ou então a deslocar-se ao estrangeiro, a países que tinham despenalizado o aborto. Este estudo reúne estatísticas dos abortos praticados pelas mulheres espanholas em Inglaterra, Pais de Gales e Holanda, no período considerado entre 1980 e 1995, e em Espanha, desde que há registos, de 1987 até 1995, e compara ambas as tendências (estrangeiro/ Espanha depois da legalização) antes e depois da aprovação da lei.
Metodologia: as taxas de ocorrência foram calculados em cada um daqueles países e as variações ou inclinações da curvas obtidas, para os períodos de 1974-84 e 1987-1995, comparadas. Os dados foram obtidas a partir da relatórios publicados pelos departamentos oficiais de estatísticas do aborto de Inglaterra, Gales e Holanda e Espanha. Resultados: as taxas de ocorrência sobem de forma constante ao longo dos período analisados. De 1974 a 1985, um total de 204,706 mulheres abortaram em Inglaterra, Gales e Holanda. Depois de a lei ter sido aprovada, 34.895 mulheres espanholas fizeram o aborto nestes países, no período considerado entre 1986-1995. Entre 1987-95, 340,214 mulheres espanholas interromperam a gravidem Espanha. Os coeficientes de regressão, antes e depois da passagem da lei, foram respectivamente
β = 0.3538 (0.307-0.400) and β =0.319 (0.243 – 0.394). Em suma, nenhuma diferença significativa foi observada. Conclusão: durante o período objecto deste estudo, uma proporção significativa das mulheres espanholas em idade fértil recorreu ao aborto em Inglaterra, Gales e Holanda. A descriminalização não teve nenhum efeito observável ao nível da tendência do aborto, mas beneficiou as mulheres espanholas ao permitir a interrupção voluntária da gravidez localmente e, em consequência, reduzindo as desigualdades implícitas ao nível do acesso a cuidados decentes de saúde.”
Does the liberalisation of abortion laws increase the number of abortions?Rosana Peiro; Concha Colomer; Carlos Alvarez-Dardet; John R. AshtonEuropean Journal of Public Health; Jun 1, 2001; 11, 2; ProQuest Psychology Journalspg. 190
Centrado no caso Espanhol, procurou medir o impacto da liberalização em Espanha, nomeadamente aferir se o aborto aumentou ou diminuiu na sequência da nova legislação mais permissiva. Fiz uma tradução (mais ou menos fiel) deste excerto:
“No decurso dos anos oitenta, teve lugar em Espanha a discussão do aborto, o que deu origem a um clima socialmente mais tolerante que se traduziu, em 1985, na descriminalização parcial da interrupção voluntária da gravidez: antes disso, as mulheres espanholas eram obrigadas a abortar ilegalmente, na clandestinidade, ou então a deslocar-se ao estrangeiro, a países que tinham despenalizado o aborto. Este estudo reúne estatísticas dos abortos praticados pelas mulheres espanholas em Inglaterra, Pais de Gales e Holanda, no período considerado entre 1980 e 1995, e em Espanha, desde que há registos, de 1987 até 1995, e compara ambas as tendências (estrangeiro/ Espanha depois da legalização) antes e depois da aprovação da lei.
Metodologia: as taxas de ocorrência foram calculados em cada um daqueles países e as variações ou inclinações da curvas obtidas, para os períodos de 1974-84 e 1987-1995, comparadas. Os dados foram obtidas a partir da relatórios publicados pelos departamentos oficiais de estatísticas do aborto de Inglaterra, Gales e Holanda e Espanha. Resultados: as taxas de ocorrência sobem de forma constante ao longo dos período analisados. De 1974 a 1985, um total de 204,706 mulheres abortaram em Inglaterra, Gales e Holanda. Depois de a lei ter sido aprovada, 34.895 mulheres espanholas fizeram o aborto nestes países, no período considerado entre 1986-1995. Entre 1987-95, 340,214 mulheres espanholas interromperam a gravidem Espanha. Os coeficientes de regressão, antes e depois da passagem da lei, foram respectivamente
β = 0.3538 (0.307-0.400) and β =0.319 (0.243 – 0.394). Em suma, nenhuma diferença significativa foi observada. Conclusão: durante o período objecto deste estudo, uma proporção significativa das mulheres espanholas em idade fértil recorreu ao aborto em Inglaterra, Gales e Holanda. A descriminalização não teve nenhum efeito observável ao nível da tendência do aborto, mas beneficiou as mulheres espanholas ao permitir a interrupção voluntária da gravidez localmente e, em consequência, reduzindo as desigualdades implícitas ao nível do acesso a cuidados decentes de saúde.”
Does the liberalisation of abortion laws increase the number of abortions?Rosana Peiro; Concha Colomer; Carlos Alvarez-Dardet; John R. AshtonEuropean Journal of Public Health; Jun 1, 2001; 11, 2; ProQuest Psychology Journalspg. 190
Esta é para mim uma questão decisiva, tornar o aborto seguro, retirá-lo da clandestinidade, é um primeiro passo para uma mais eficaz regulação. Dignificar a condição da mulher ao permitir a interrupção da gravidez em condições de higiene e segurança, reduzindo os riscos para a sua saúde (física e psíquica). Ou seja, “em estabelecimento autorizado”, como é formulado na pergunta submetida a referendo. Mais do que saber se é público ou privado (a pergunta deixa a questão em aberto), importa acima de tudo que seja seguro. Seguir o exemplo de nuestros hermanos, que souberam reduziram drasticamente o aborto clandestino.
Este estudo demonstra não haver qualquer correlação entre despenalização e aumento significativo da taxa ou dos números de aborto. Não há determinismos neste campo, são muitas as variáveis em jogo e as políticas implementas pelos estados e as organizações da sociedade civil poderão dar um contributo decisivo para a redução da incidência do fenómeno do aborto. Países como a Holanda ou Suécia, que há mais de trinta anos despenalizaram esta prática, têm das mais baixas taxas do mundo. Outros, como a Federação Russa ou Cuba, têm das mais elevadas por força da escassez de meios contracepção (quando este são quase inexistentes, é evidente que o aborto se transforma num meio de planeamento familiar).
Em suma, políticas mais eficazes de planeamento familiar, em particular junto dos sectores mais desfavorecidos da nossa sociedade, ainda assolada por profundas desigualdades sociais (de que o aborto clandestino é disso expressão), são talvez a chave para que o aborto recue até níveis mínimos. Mas não tenhamos ilusões: nunca erradicaremos o aborto, pois a contingência é um dado inelutável da existência. Não é possível eliminar o desacordo entre o Ser e dever Ser. Parafraseando Clarice Lispector, “o que tem que ser tem muita força”.
Para terminar, direi que não acredito numa solução para o problema do aborto que exclua o livre-arbítrio das mulheres. Confio mais na capacidade de julgamento da mulher, em liberdade e nas sua circunstâncias de vida, do que numa qualquer comissão de ética que por ela decida em abstracto. E estas comissões (um mundo eminentemente masculino, diga-se de passagem) têm sido, no nosso país, a expressão de uma intolerável interferência do Estado na vida íntima da mulher.
Por tudo isto, vou votar Sim no próximo dia 11 de Fevereiro. À semelhança do que fiz em Junho de 1998.
P.S. Pode ser consultado aqui o discurso de Simone Veil, protagonista da lei que despenalizou a o aborto em França (1974).
Este estudo demonstra não haver qualquer correlação entre despenalização e aumento significativo da taxa ou dos números de aborto. Não há determinismos neste campo, são muitas as variáveis em jogo e as políticas implementas pelos estados e as organizações da sociedade civil poderão dar um contributo decisivo para a redução da incidência do fenómeno do aborto. Países como a Holanda ou Suécia, que há mais de trinta anos despenalizaram esta prática, têm das mais baixas taxas do mundo. Outros, como a Federação Russa ou Cuba, têm das mais elevadas por força da escassez de meios contracepção (quando este são quase inexistentes, é evidente que o aborto se transforma num meio de planeamento familiar).
Em suma, políticas mais eficazes de planeamento familiar, em particular junto dos sectores mais desfavorecidos da nossa sociedade, ainda assolada por profundas desigualdades sociais (de que o aborto clandestino é disso expressão), são talvez a chave para que o aborto recue até níveis mínimos. Mas não tenhamos ilusões: nunca erradicaremos o aborto, pois a contingência é um dado inelutável da existência. Não é possível eliminar o desacordo entre o Ser e dever Ser. Parafraseando Clarice Lispector, “o que tem que ser tem muita força”.
Para terminar, direi que não acredito numa solução para o problema do aborto que exclua o livre-arbítrio das mulheres. Confio mais na capacidade de julgamento da mulher, em liberdade e nas sua circunstâncias de vida, do que numa qualquer comissão de ética que por ela decida em abstracto. E estas comissões (um mundo eminentemente masculino, diga-se de passagem) têm sido, no nosso país, a expressão de uma intolerável interferência do Estado na vida íntima da mulher.
Por tudo isto, vou votar Sim no próximo dia 11 de Fevereiro. À semelhança do que fiz em Junho de 1998.
P.S. Pode ser consultado aqui o discurso de Simone Veil, protagonista da lei que despenalizou a o aborto em França (1974).