Justiça Multiculturalista
Eis o que podem fazer décadas de doutrinação encapotada. Sim, porque o multiculturalismo é cada vez mais o rosto das ciências sociais; também esta ideologia, firmemente ancorada nas sociedades europeia e norte-americana, se apresenta travestida de ciência.
Agora foi na Alemanha. Uma juíza entendeu não aceitar o pedido de divórcio (com carácter de urgência) de uma cidadã de origem marroquina, que alegava ser vítima de violência doméstica., invocando não a lei geral do país, mas sim a especificidade do Islão; parece que, segundo a douta magistrada, certamente mui versada no Corão e nas práticas sociais dos casais muçulmanos, “não é invulgar que o homem exerça o direito de castigar a mulher”. Afirmou assim o primado da cultura ou da religião sobre o indivíduo. Aquela mulher que se queria divorciar não existe enquanto cidadã, mas apenas enquanto muçulmana; enquanto parte de uma comunidade.
Recorro ao filósofo Slavoj Zizek:
“Por outro lado o partidário liberal do multiculturalismo tolerante aceita por vezes até as violações mais brutais dos direitos do homem, ou mostra pelo menos uma certa relutância em condená-las, com medo de ser acusado de impor ao Outro os seus próprios valores. Quando evoco os meus jovens anos, lembro-me dos estudantes maoístas que pregavam e praticavam a «revolução sexual»; quando lhes fizeram notar que a China da revolução cultural maoísta encorajava uma atitude extremamente «repressiva» perante a sexualidade, respondiam com prontidão que a sexualidade desempenhava um papel totalmente diferente no seu universo, pelo que não devíamos impor-lhes os critérios de «repressividade» que eram os nossos – a sua atitude perante a sexualidade só parecia «repressiva» quando avaliada nos termos dos nossos critérios ocidentais... Não será a mesma atitude que descobrimos hoje nos defensores do multiculturalismo quando estes nos desaconselham a impor ao Outro a nossa noção eurocentrista de direitos humanos universais?”
Agora foi na Alemanha. Uma juíza entendeu não aceitar o pedido de divórcio (com carácter de urgência) de uma cidadã de origem marroquina, que alegava ser vítima de violência doméstica., invocando não a lei geral do país, mas sim a especificidade do Islão; parece que, segundo a douta magistrada, certamente mui versada no Corão e nas práticas sociais dos casais muçulmanos, “não é invulgar que o homem exerça o direito de castigar a mulher”. Afirmou assim o primado da cultura ou da religião sobre o indivíduo. Aquela mulher que se queria divorciar não existe enquanto cidadã, mas apenas enquanto muçulmana; enquanto parte de uma comunidade.
Recorro ao filósofo Slavoj Zizek:
“Por outro lado o partidário liberal do multiculturalismo tolerante aceita por vezes até as violações mais brutais dos direitos do homem, ou mostra pelo menos uma certa relutância em condená-las, com medo de ser acusado de impor ao Outro os seus próprios valores. Quando evoco os meus jovens anos, lembro-me dos estudantes maoístas que pregavam e praticavam a «revolução sexual»; quando lhes fizeram notar que a China da revolução cultural maoísta encorajava uma atitude extremamente «repressiva» perante a sexualidade, respondiam com prontidão que a sexualidade desempenhava um papel totalmente diferente no seu universo, pelo que não devíamos impor-lhes os critérios de «repressividade» que eram os nossos – a sua atitude perante a sexualidade só parecia «repressiva» quando avaliada nos termos dos nossos critérios ocidentais... Não será a mesma atitude que descobrimos hoje nos defensores do multiculturalismo quando estes nos desaconselham a impor ao Outro a nossa noção eurocentrista de direitos humanos universais?”
in Elogio da Intolerância