terça-feira, abril 03, 2007

As Vidas dos Outros

Filme sóbrio, inteligente a evitar as armadilhas do maniqueísmo, porque há vida para além do “preto e branco”; ou a complexidade das zonas cinzentas do comportamento humano.
Optimista, sim, porque os homens mudam, como o zeloso profissional da Stasi, numa excelente interpretação de Ulrich Muhe, que guarda dentro de si um profundo humanismo e que bem mereceu a “Sonata para um Homem Bom”.
Ducodrama histórico que tem como pano de fundo os últimos anos da existência da República Democrática Alemã (RDA). No ar aquele cinismo que prenuncia o fim de uma época, o fim da república que alguém já classificou de “muito pouco democrática, muito pouco socialista, mas profundamente alemã”.
Vidas dos Outros gira em torno do universo da cultura. Temos um escritor que goza da protecção (ou pelo menos da benevolência) do regime, por ser “o único escritor não subversivo que é lido no Ocidente”. Vive com uma actriz de teatro, a bela e popular Christa-Maria (que nome!), que é cobiçada pelo ministro da cultura. E sabemos bem como o apelo da carne é irresistível, levando ao abuso do poder, sobretudo quando se é detentor de um poder quase absoluto. Assim, o ministro da cultura, que com ironia se referia aos “engenheiros das almas”, manda pôr sob escuta a casa do escritor, a fim de que este caia em desgraça. Cabe ao agente Hauptmann/ Ulrich Muhe, a tarefa de tudo escutar para assim descobrir o menor indício de dissidência. Mas as vidas desses outros, do escritor e da actriz, acabam por dar um novo sentido à própria vida de Hauptamann, por um processo imperceptível transformada em dissidência. Diga-se que a mudança é filmada de forma muita plausível, essa autenticidade é aliás um dos trunfos deste filme. Muitos realizadores soçobram ao pôr em cena processos semelhantes.
Acima de tudo, fica a ideia, como dizia o poeta, de que também os homens são compostos de mudança.