quinta-feira, maio 10, 2007

Lisboa

Sobre Lisboa, incontornável este artigo do historiador Paulo Varela Gomes. Brilhante:

O maior problema de Lisboa são os fazedores de opinião de Lisboa, precisamente esses que dizem que os maiores problemas de Lisboa são…etc e tal. Na verdade, achar que o problema de Lisboa tem que ver com maiorias camarárias ou finanças é indicativo de uma extraordinária miopia política e cultural que mostra precisamente o seguinte: Lisboa é um assunto demasiado sério para ser deixado aos Lisboetas. Não me refiro à maioria dos Lisboetas, aos lisboetas das 9-às-5, mas sim à elite lisboeta, aos fazedores lisboetas, aos seus colunistas, jornalistas, cineastas, escritores, poetas, músicos e actores – todos aqueles e aquelas que mostram Lisboa a si mesmos e aos outros, são ouvidos sobre Lisboa, fazem a “imagem” de Lisboa.

[…]

A elite (e os jovens, os jovens…) de Lisboa têm essa responsabilidade porque, iludidos pelo aumento da oferta cultural e de entretenimento que a cidade sem dúvida vem experimentando nas últimas décadas, não viram – literalmente não viram e não vêem – a degradação do espaço público, a fealdade crescente, a decadência brutal da qualidade de vida de Lisboa, uma das cidades menos
user friendly da Europa, certamente a mais descuidada, suja, anárquica e rasca das suas capitais.
A elite de Lisboa, aos gritinhos de contentamento como o “cosmopolitismo” da sua cidade, nem ao menos tem o discernimento de detectar o paternalismo condescendente com que os estrangeiros olham para o terceiro-mundismo dos graffiti, do lixo, dos carros estacionados por toda a parte, dos edifícios em cacos, do horror dos subúrbios, da vergonha das entradas na cidade, da porcaria dos transportes públicos, do inferno do trânsito.

Esta elite, toda satisfeita, deixou a política de Lisboa aos políticos lisboetas…
[...]
Ora – e aqui é que está o busílis – Lisboa não é uma cidade qualquer. Lisboa não pertence aos lisboetas. Nem sequer aos portugueses. Lisboa é o único património genuinamente mundial existente em Portugal. Há pouquíssimas cidades que, simbolicamente, pertençam ao mundo inteiro. Portugal tem a sorte incrível, construída na história, de contar com uma.

[…]

Não porque seja uma cidade monumental. Mas porque foi caput mundi nas imaginações do século XVI, porque foi a cidade do terramoto de 1755, porque, potencialmente, é uma cidade capaz da maior beleza, não a dos monumentos ou a da grandiosidade, mas a da gentileza, da atmosfera, da memória física e simbólica de um mundo não centrado na Europa.

In PÚBLICO, 10/05/07


O artigo merece ser lido na íntegra. Mais tarde, penso disponibilizá-lo em link, aqui no Office…
Gente como o Paulo Varela Gomes faz falta ao espaço público/opinião