(#) livros que não mudaram a minha vida
Caro João,
Companheiro de outras paragens, desafias-me então para elencar quais os livros que não mudaram a minha vida.
Caro amigo, temo desiludir-te.
Poucos livros me disiludiram ao ponto de se terem tornado insignificâncias lembradas. É preciso que primeiro tenham tido algum significado, para que depois possam desiludir. É como concordar que só os que nos são próximos e caros, nos podem magoar.
Ou não...?
Viagem no tempo.
Agradecimento renovado à Biblioteca da Gulbenkian em Odemira. E já agora aos Senhores meus Pais, que nunca me recusaram um tostão sempre que lhes pedia para o gastar em mais um livro. E esses gastos inconscientes podiam em alguns casos ter tidos consequências desastrosas. Quiçá, até para a Humanidade.
Por esses dias, deu-se-me na cabeça (e no coração), apaixonar-me pela História, especificamente pela Arqueologia.
É triste, não é? Um puto, pré-adolescente, mais interessado nas histórias da família Leaky e quejandos que em andar à corrida atrás de uma bola. Fruto das mãos largas dos meus progenitores, lá apareciam os livros sobre as explorações das cidades bíblicas, as descobertas no Rift Valley, as cavernas onde os nossos antepassados europeus garatujavam.
Esses livros podiam ter feito estragos, mas não fizeram. Durante alguns anos, à parva pergunta sobre o que queria ser quando fosse grande, respondia "arqueólogo", espantando a audiência (quer pela ignorância sobre a resposta quer pela desilusão com o falhanço educacional do casal Silva). Tenho a certeza que a Humanidade agradece a materialista mudança da adolescência.
Mas a coisa podia ter sido ainda mais grave.
A exposição precoce a certos livros pode ter consequências assaz funestas, digo-te eu.
Um chavaleco pode ver-se-lhe alapar na cachimónia que também é capaz de escrever contos tão bons ou melhores que as histórias das colecções de aventuras ou policiais ou sci-fi ou cauboiadas ou... que lia. Pfffff... Aquilo era fácil de fazer! E dava idéia que ainda pagavam aos autores! Vêem? Já lá estava o bichinho materialista.
As más influências ajudam. Lembra lá a alguém que hajam professores de português que em vez de classificar os TPC de ficção, escrevam notas a pedir que se lembre deles quando publicar o primeiro livro? Uma vergonha para a classe profissional. Compensada apenas pelo facto de ser novinha e fazer topless na praia, o que potenciou a importância das suas palavras. Hormonas, 'tás a ver?
Mas a História... Bom, acabei por me curar. Mais ou menos (fazer as cadeiras todas de História Económica da "fac" é coisa de quem não tem os 5 alqueires bem medidos).
A mudança de paragens fez-me mudar as minhas ambições científicas e literárias (na minha cabeça, ambas estavam ligadas).
Aqui faço um interregno temporal.
Lembro as colecções completas de BD que li e que nunca me fizeram querer ser desenhador. Mesmo um adolescente ambicioso sabe os seus limites. Lamento dizer mas não me influenciaram nada (não sendo crente, posso mentir sem pecar, não é?). As prateleiras e caixotes que tenho delas, dão testemunho do seu fracasso. O facto de hoje ter ficado embasbacado a ver o Tintin na TV deveu-se apenas à sonolência matinal, nada à paixão que tenha por tal bonecada. E ainda dizem que o gajo era facho e racista e mais não sei quê. Nããã... Nenhuma influência nem importância na minha vida. Ou o Maltese. Ou o Obélix (um favorito da minha barriga, o que só por si o desqualifica, óbviamente). O Luke. Ainda poder-se-ia pensar que fumo por causa dele ou que bebo por causa do Archibald Haddock ou que se gosto de cogumelos é por causa do conde Pacôme Hégésippe Adélard Ladislas. Mas não. Nada lhes imputo.
E de repente, há 23 anos (ah sim! sei exactamente quando foi!) no primeiro dos meus "teen years", o 1984.
Lixei-me. Aí tive de ceder. Havia ali qualquer coisa. São momentos de fraqueza que não gosto de recordar. Fiquemos por aqui.
Tempus fugit.
E depois do Orwell, houve outros que não deixaram marcas. O facto do Graham Greene ter escrito prolificamente, mostra que é perigoso deixar livre essa gente com a mania de passar aos outros as histórias que passam na sua cabeça. Livros como "Nosso Homem em Havana" ou o "Comediantes" o "Americano Tranquilo" ou todos, todos eles, não conseguirão nunca mudar a vida de alguém.
Mas um livro, um só, que nunca mudou a minha vida ou não ficou para sempre na milha alembradura? "Memórias de Adriano". Alguém mudaria de vida por causa daquilo? Que faria um tipo? Enlouquecia e passava a comportar-se como um imperador romano? Não, claro que não. Por isso: nenhuma influência, nenhuma mudança. Nem levando com uma "Obra ao Negro" por cima da caixa craneana, a Marguerite Cleenewerck de Crayencour mudou um pouco a minha vida. Até que porque um nome destes não ajuda nada.
Outro que não mudou um milímetro da minha vida, foi um tal de Tom Sharpe. Sinal do meu desepero. À procura dum livro que mudasse a vida, um homem tenta tudo. Até a literatura "não séria", aquela que os senhores barbudos, de cachecol traçado (do ter traças) e sacola de cabedal ao ombro nunca leriam. Porque a vida se lhes muda a cada novo livro, não concebem a necessidade de tais literaturas, de tais deseperos.
Sharpe é um claro idiota, escrendo idiotices ainda maiores. Mas eu tentei. Juro que sim. Tentei-lhe todos os livros. Todos. Ainda o ano passado tentei o último. Nada. Nada de mudança. Nota-se aliás. Alguém nota em mim alguma idiotice que lhe possa, ainda que de forma remota, ser apontada? Claro que não; infelizmente nada lhe devo. Nem mesmo o reforço do Woody Allen, que enquanto não clarineta ou filma, também escreve, me tornou mais idiota. Isso de achar que só com humor se deve olhar a vida, parece-me parvoíce alheia e não contagiante. Nope. Nenhuma influência.
Tempus fugit.
Um gajo cresce e procura outras drogas. Leva umas bofetadas do Faulkner (um tipo desregulado da cabeça, que inventava territórios com famílias e seres humanos sózinhos consigo mesmo) e fica a pensar: porra! nem assim vou mudar um pouco. Nada me demove da minha insensibilidade às palavras destes autores. Os tais que é um perigo deixar que imprimam tais palavras, tais histórias.
Como sou um homenzinho crescido (o 1984 foi em 1983), leio coisas de gente crescida. O que por vezes pertuba a minha família e amigos (será que lhes muda a vida?). "Que interesse tem, leres essas coisas? Para qu'é que isso serve?"
Têm razão.
O Mises é uma seca, o Hazlitt é um tolo e o Bastiat devia beber mais que a conta. Mas só para ter a certeza que os fulanos não tinham razão nenhuma e nenhuma mudança lhes era devida, insisti. Mais uns quantos indignos individuos que lhes concordavam nos pensamento, ajudaram a nada me mover. Nada mudou. Aliás, vê-se que o país concorda abragentemente comigo e, mudar, tá quieto ò preto.
Caro João, como vês, não é compreensível o teu pedido, o teu interesse em saberes que livros não mudaram a minha vida (por oposição aos que teriam mudado). Um livro é lá coisa para mudar a vida de alguém?
Ainda se fosse uma mulher, o seu amor, um seu sorriso, o seu odor ou toque. Isso sim. É coisa para alavancar a Terra e mudá-la para o outro lado do Sol.
Um abraço,
Luís Silva
Companheiro de outras paragens, desafias-me então para elencar quais os livros que não mudaram a minha vida.
Caro amigo, temo desiludir-te.
Poucos livros me disiludiram ao ponto de se terem tornado insignificâncias lembradas. É preciso que primeiro tenham tido algum significado, para que depois possam desiludir. É como concordar que só os que nos são próximos e caros, nos podem magoar.
Ou não...?
Viagem no tempo.
Agradecimento renovado à Biblioteca da Gulbenkian em Odemira. E já agora aos Senhores meus Pais, que nunca me recusaram um tostão sempre que lhes pedia para o gastar em mais um livro. E esses gastos inconscientes podiam em alguns casos ter tidos consequências desastrosas. Quiçá, até para a Humanidade.
Por esses dias, deu-se-me na cabeça (e no coração), apaixonar-me pela História, especificamente pela Arqueologia.
É triste, não é? Um puto, pré-adolescente, mais interessado nas histórias da família Leaky e quejandos que em andar à corrida atrás de uma bola. Fruto das mãos largas dos meus progenitores, lá apareciam os livros sobre as explorações das cidades bíblicas, as descobertas no Rift Valley, as cavernas onde os nossos antepassados europeus garatujavam.
Esses livros podiam ter feito estragos, mas não fizeram. Durante alguns anos, à parva pergunta sobre o que queria ser quando fosse grande, respondia "arqueólogo", espantando a audiência (quer pela ignorância sobre a resposta quer pela desilusão com o falhanço educacional do casal Silva). Tenho a certeza que a Humanidade agradece a materialista mudança da adolescência.
Mas a coisa podia ter sido ainda mais grave.
A exposição precoce a certos livros pode ter consequências assaz funestas, digo-te eu.
Um chavaleco pode ver-se-lhe alapar na cachimónia que também é capaz de escrever contos tão bons ou melhores que as histórias das colecções de aventuras ou policiais ou sci-fi ou cauboiadas ou... que lia. Pfffff... Aquilo era fácil de fazer! E dava idéia que ainda pagavam aos autores! Vêem? Já lá estava o bichinho materialista.
As más influências ajudam. Lembra lá a alguém que hajam professores de português que em vez de classificar os TPC de ficção, escrevam notas a pedir que se lembre deles quando publicar o primeiro livro? Uma vergonha para a classe profissional. Compensada apenas pelo facto de ser novinha e fazer topless na praia, o que potenciou a importância das suas palavras. Hormonas, 'tás a ver?
Mas a História... Bom, acabei por me curar. Mais ou menos (fazer as cadeiras todas de História Económica da "fac" é coisa de quem não tem os 5 alqueires bem medidos).
A mudança de paragens fez-me mudar as minhas ambições científicas e literárias (na minha cabeça, ambas estavam ligadas).
Aqui faço um interregno temporal.
Lembro as colecções completas de BD que li e que nunca me fizeram querer ser desenhador. Mesmo um adolescente ambicioso sabe os seus limites. Lamento dizer mas não me influenciaram nada (não sendo crente, posso mentir sem pecar, não é?). As prateleiras e caixotes que tenho delas, dão testemunho do seu fracasso. O facto de hoje ter ficado embasbacado a ver o Tintin na TV deveu-se apenas à sonolência matinal, nada à paixão que tenha por tal bonecada. E ainda dizem que o gajo era facho e racista e mais não sei quê. Nããã... Nenhuma influência nem importância na minha vida. Ou o Maltese. Ou o Obélix (um favorito da minha barriga, o que só por si o desqualifica, óbviamente). O Luke. Ainda poder-se-ia pensar que fumo por causa dele ou que bebo por causa do Archibald Haddock ou que se gosto de cogumelos é por causa do conde Pacôme Hégésippe Adélard Ladislas. Mas não. Nada lhes imputo.
E de repente, há 23 anos (ah sim! sei exactamente quando foi!) no primeiro dos meus "teen years", o 1984.
Lixei-me. Aí tive de ceder. Havia ali qualquer coisa. São momentos de fraqueza que não gosto de recordar. Fiquemos por aqui.
Tempus fugit.
E depois do Orwell, houve outros que não deixaram marcas. O facto do Graham Greene ter escrito prolificamente, mostra que é perigoso deixar livre essa gente com a mania de passar aos outros as histórias que passam na sua cabeça. Livros como "Nosso Homem em Havana" ou o "Comediantes" o "Americano Tranquilo" ou todos, todos eles, não conseguirão nunca mudar a vida de alguém.
Mas um livro, um só, que nunca mudou a minha vida ou não ficou para sempre na milha alembradura? "Memórias de Adriano". Alguém mudaria de vida por causa daquilo? Que faria um tipo? Enlouquecia e passava a comportar-se como um imperador romano? Não, claro que não. Por isso: nenhuma influência, nenhuma mudança. Nem levando com uma "Obra ao Negro" por cima da caixa craneana, a Marguerite Cleenewerck de Crayencour mudou um pouco a minha vida. Até que porque um nome destes não ajuda nada.
Outro que não mudou um milímetro da minha vida, foi um tal de Tom Sharpe. Sinal do meu desepero. À procura dum livro que mudasse a vida, um homem tenta tudo. Até a literatura "não séria", aquela que os senhores barbudos, de cachecol traçado (do ter traças) e sacola de cabedal ao ombro nunca leriam. Porque a vida se lhes muda a cada novo livro, não concebem a necessidade de tais literaturas, de tais deseperos.
Sharpe é um claro idiota, escrendo idiotices ainda maiores. Mas eu tentei. Juro que sim. Tentei-lhe todos os livros. Todos. Ainda o ano passado tentei o último. Nada. Nada de mudança. Nota-se aliás. Alguém nota em mim alguma idiotice que lhe possa, ainda que de forma remota, ser apontada? Claro que não; infelizmente nada lhe devo. Nem mesmo o reforço do Woody Allen, que enquanto não clarineta ou filma, também escreve, me tornou mais idiota. Isso de achar que só com humor se deve olhar a vida, parece-me parvoíce alheia e não contagiante. Nope. Nenhuma influência.
Tempus fugit.
Um gajo cresce e procura outras drogas. Leva umas bofetadas do Faulkner (um tipo desregulado da cabeça, que inventava territórios com famílias e seres humanos sózinhos consigo mesmo) e fica a pensar: porra! nem assim vou mudar um pouco. Nada me demove da minha insensibilidade às palavras destes autores. Os tais que é um perigo deixar que imprimam tais palavras, tais histórias.
Como sou um homenzinho crescido (o 1984 foi em 1983), leio coisas de gente crescida. O que por vezes pertuba a minha família e amigos (será que lhes muda a vida?). "Que interesse tem, leres essas coisas? Para qu'é que isso serve?"
Têm razão.
O Mises é uma seca, o Hazlitt é um tolo e o Bastiat devia beber mais que a conta. Mas só para ter a certeza que os fulanos não tinham razão nenhuma e nenhuma mudança lhes era devida, insisti. Mais uns quantos indignos individuos que lhes concordavam nos pensamento, ajudaram a nada me mover. Nada mudou. Aliás, vê-se que o país concorda abragentemente comigo e, mudar, tá quieto ò preto.
Caro João, como vês, não é compreensível o teu pedido, o teu interesse em saberes que livros não mudaram a minha vida (por oposição aos que teriam mudado). Um livro é lá coisa para mudar a vida de alguém?
Ainda se fosse uma mulher, o seu amor, um seu sorriso, o seu odor ou toque. Isso sim. É coisa para alavancar a Terra e mudá-la para o outro lado do Sol.
Um abraço,
Luís Silva