quarta-feira, outubro 24, 2007

Doclisboa: Jesus Camp e outras coisas



Jesus Camp foi o meu primeiro documentário no doclisboa.
Heidi Ewing mostra-nos a realidade do fundamentalismo cristão (evangélico) nos Estados Unidos, ao filmar o quotidiano de um campo de férias, para crianças e jovens, dirigido pela pastora Becky Fisher.
Começamos por ver as crianças numa coreografia guerreira, envergando trajes militares, ao som de ritmos que poderíamos dizer saídos de uma qualquer rave, futuros soldados de Cristo na guerra em curso contra o secularismo. Porque, para os cristãos evangélicos, o secularismo é um corpo estranho aos valores da América; espécie de alienígena que tem de ser erradicado.
É de uma guerra cultural de que se trata, e estas crianças são ensinadas a tudo sacrificar à fé em Cristo, a exemplo dos combatentes jihadistas do Islão, por quem Becky Fisher não esconde aliás o seu fascínio. Serão ensinadas a morrer e a matar, no desprezo pelos não cristãos. Uma cultura de medo e ódio a alastrar pelo tecido social americano. Nas igrejas e nas escolas; na política e nos media. Não é de surpreender que, num futuro não muitos distante, os Estados Unidos venham a ser confrontados com novas formas de terrorismo; internas à sociedade.
É um documentário cheio de vitalidade, muito por força quer da montagem, quer da sinceridade desarmante (e assustadora) dos seus protagonistas. E também capaz de arrancar momentos de humor, como quando vemos aqueles Outdoors, em paisagens da América profunda, que nos convidam a conversar com Jesus, antes do jogo de futebol de Domingo. Ou quando cristãos evanngélicos questionam o aquecimento global, porque “a temperatura só subiu 0,6 graus…”
Podemos ver este fenómeno como exoticamente americano, refiro-me a estas formas de viver a religiosidade, distante de uma Europa cada vez mais descristianizada. No entanto, pelo prisma da dinâmica entre secularidade e religião, encontramos tensões também na Europa. A diferença é que, no velho continente, os protagonistas não são nem os evangélicos nem os católicos, mas sim os combatentes do Islão.
Outras coisas do doc…, As duas faces da Guerra, de Diana Andriga e Flora Gomes, em que antigos soldados portugueses e guerrilheiros do PAIGC falam das lutas que travaram. E à margem dos conflitos, a beleza de Glitterburg, colagens de memórias filmadas, último filme de Derkek Jarman. Quase que poderíamos dizer metafísico. Perpassa a Londres dos anos setenta, a moda e as reminiscências do punk… Imagens que são indissociáveis da música de Brian Eno.