Robert Wyatt e Portugal
Robert Wyatt e as recordações de um tempo passado em Portugal, um tempo de infância.
Essas recordações foram a matéria-prima do álbum A Short Break, de que já aqui fiz eco.
«Portugal foi muito importante para mim. A minha empatia com o Terceiro Mindo vem do facto de eu ter sido fantasticamente intoxicado por um país que naqueles tempos imaginávamos ser o Terceiro Mundo: as crianças andavam descalças, as raparigas eram impossivelmente exóticas, os meus pais deixavam-me ficar acordado até tarde porque todas as crianças portuguesas ficavam acordadas até tarde (e podiam beber vinho misturado com água). Brinquei com uma rapazinho chamado Rudolfo que era tão bonito que se eu tivesse ficado mais algum tempo ter-me-ia tornado homossexual. Foi incrível ver esta gente, que era muito mais pobre do que nós, ter uma vida maravilhosa na pobreza. Um melão custava um escudo. As pessoas carregavam na cabeça grandes blocos de gelo, com um passo muito digno. Fiquei com vergonha de ter sapatos e tentei andar descalço, mas o chão estava cheio de escarros e a minha mãe obrigou-me a calçá-los. Lembro-me de coisas muito simples, como dormir na praia, com um cobertor, em sítios como a Trafaria, junto ao rio, e ver as estrelas...Para um rapazinho que vivia num subúrbio de londres, com brumas e nevoeiro, era como um reino mágico. Isto é incrivelmente romântico, mas eu não percebia nada de pobreza ou opressão (Portugal ainda era um país fascista), eu via apenas a beleza das pessoas, mas não compreendia o que é que isso tinha a ver comigo, como é que eu podia ser parte daquilo»
Rui Tentúgal , in Actual, Expresso, 5/10/07
Essas recordações foram a matéria-prima do álbum A Short Break, de que já aqui fiz eco.
«Portugal foi muito importante para mim. A minha empatia com o Terceiro Mindo vem do facto de eu ter sido fantasticamente intoxicado por um país que naqueles tempos imaginávamos ser o Terceiro Mundo: as crianças andavam descalças, as raparigas eram impossivelmente exóticas, os meus pais deixavam-me ficar acordado até tarde porque todas as crianças portuguesas ficavam acordadas até tarde (e podiam beber vinho misturado com água). Brinquei com uma rapazinho chamado Rudolfo que era tão bonito que se eu tivesse ficado mais algum tempo ter-me-ia tornado homossexual. Foi incrível ver esta gente, que era muito mais pobre do que nós, ter uma vida maravilhosa na pobreza. Um melão custava um escudo. As pessoas carregavam na cabeça grandes blocos de gelo, com um passo muito digno. Fiquei com vergonha de ter sapatos e tentei andar descalço, mas o chão estava cheio de escarros e a minha mãe obrigou-me a calçá-los. Lembro-me de coisas muito simples, como dormir na praia, com um cobertor, em sítios como a Trafaria, junto ao rio, e ver as estrelas...Para um rapazinho que vivia num subúrbio de londres, com brumas e nevoeiro, era como um reino mágico. Isto é incrivelmente romântico, mas eu não percebia nada de pobreza ou opressão (Portugal ainda era um país fascista), eu via apenas a beleza das pessoas, mas não compreendia o que é que isso tinha a ver comigo, como é que eu podia ser parte daquilo»
Rui Tentúgal , in Actual, Expresso, 5/10/07