segunda-feira, dezembro 10, 2007

Desabafos sobre a Cimeira

Sobre a cimeira, em jeito de desabafo, não evitei o Público de Domingo e o artigo da jornalista Teresa de Sousa, em tom oficioso, como é seu apanágio sempre que fala de Europa, elogiar a firmeza dos putativos líderes europeus que não esqueceram os direitos humanos e zurziram no octogenário Robert Mugabe.

Confesso a minha irritação pela forma como nós, europeus, brandimos a questão dos direitos humanos em África. Não que ela me seja indiferente, eu que por acaso até tenho aí as minhas raízes (e parte da minha família materna em Angola). E longe de mim pensar que os africanos estão condenados a viver no despotismo, o que me incomoda são as velhas atitudes hoje travestidas com as roupagens da democracia e os direitos humanos. O subtexto é o da velha missão civilizadora dos antigos colonos europeus, os africanos aqui nunca são sujeitos, mas sim objectos; ontem tinham de ser “civilizados”, hoje têm de ser “democratizados”. Evidentemente que o modelo (seja o da civilização cristã ou o da democracia) é imposto a partir de cima, os europeus ditam as regras aos africanos, da democracia à abertura dos mercados. Mas olhando para este nosso ocidente, ou tão-só para o nosso mui democrático país, que transforma os velhos em vil mercadoria, negócio de lares e misericórdias; que os vota ao mais profundo esquecimento e pratica o culto boçal da juventude, disseminado por televisões que têm o telelixo como negócio primeiro e primário. Será que nós, portugueses e ocidentais em geral, damos lições aos africanos? É de uma arrogância insuportável: os políticos e os jornalistas não falam assim de democracia, quando na presença de um qualquer dignitário chinês, da República Popular da China ou de Singapura. Mas em relação a Africa já nos arrogamos no direito de dar lições aos seus governantes. É verdade que nem a todos, também temos as nossas afinidades electivas: Meles Zenawi, primeiro-ministro da Etiópia, pode matar islamistas em nosso nome, na vizinha Somália, além de reprimir brutalmente as oposições internas. Mugabe, esse sim, é o arquétipo da “má governança” (interessante expressão…). E é sintomático que, em relação ao Zimbabué, ninguém fale do facto de cerca de cinco mil fazendeiros possuírem mais de metade da terra arável do país. Será que isto aconteceu do nada? Ou é apenas produto do empreendedorismo de gerações de colonos brancos? Não esconde essa desigual, profundamente desigual, distribuição da terra ancestrais relações de violência e dominação? Não estou a dizer que Robert Mugabe não tem responsabilidade na dramática situação do país (evidentemente que tem, foi desastrosa a gestão de uma reforma agrária tomada pelo nepotismo), mas importa não escamotear outros dados do problema, muito em particular o papel do Reino Unido.

A cimeira do nosso contentamento também revelou uma Africa que soube dizer “não”. Apenas treze países assinaram a parceria económica, o Senegal disse recusar-se a fragilizar as suas economias locais, abrindo os mercados aos produtos europeus (muitos deles subsidiados, como bem sabemos). África tem hoje mais margem para negociar, a entrada em cena da China foi sem dúvida uma boa notícia para os africanos, eles ganharam novo poder negocial junto da Europa e dos Estados Unidos. E a entrada em cena de uma nova geração de líderes poderá expandir os bons exemplos de desenvolvimento, que os há, convém não esquecer, em África. Um desenvolvimento que será produto da acção criativa dos indivíduos e das forças sociais desse território imenso e diverso que é o continente africano.