sexta-feira, novembro 30, 2007

Ainda a democracia

Ainda a democracia, algumas notas sobre o artigo do Pedro Magalhães publicado no jornal Público de Segunda-feira última.
É verdade que o olhar sobre esta forma de governo se alterou com a evolução histórica, e que hoje a concebemos como indissociável de alguns princípios que foram consagrados nas nossas sociedades (refiro-me grosso modo às sociedade da Europa Ocidental e da América do Norte), tais como o da separação dos poderes e do império da lei ou o do respeito pelos direitos das minorias.
Para nós, a democracia existe na medida em que estão presentes ou são respeitados aqueles princípios. Ora, isto advém do consenso ou do sistema central de valores em que se fundam as sociedades do Ocidente demo-liberal e também do facto de nelas a democracia estar, por assim dizer, naturalizada. Dos espectros da direita à esquerda, são praticamente inexistentes os discursos sobre modelos alternativos do governo coisa pública; a tirania está evidentemente fora de moda, pelo menos no plano discursivo.
Já no século XIX, como o Pedro bem refere, o entendimento era outro. Para autores como John Stuart Mill ou Alexis Tocqueville o poder do povo soava a tirania da maioria. Eles temiam a “democracia das massas” e enfatizavam a importância dos limites à democracia. Ao poder do povo.
Nesta linha de pensamento, o ponto de partida é o sentido etimológico da palavra: Demo (povo) + Kracia (governo). E os princípios que hoje associamos à democracia eram vistos como estando fora dela, servindo para a refrear ou moderar. Eu creio que em rigor conceptual é assim, quando falamos de um poder judicial por norma não eleito (vide, por exemplo, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos, que os juízes são nomeados vitaliciamente) ou de um qualquer banco central, instâncias que limitam a acção dos governos e por essa via o poder do povo.
Em suma, a democracia tem necessariamente uma tradução eleitoral. Ou seja, pressupõe eleições livres e abertas (competitivas) Ir além disto na sua definição, parece-me manifestamente exagerado (na origem do conceito democracia não estava inscrita qualquer noção de governo limitado; a não ser pelo povo).


P.S. Os exemplos da Venezuela e da Rússia não me parecem equiparáveis.
Na Venezuela, as forças políticas da oposição podem livremente candidatar-se a eleições e existem canais pelos quais elas se podem exprimir. Prova disso mesmo é o referendo sobre a nova constituição, que está longe de assemelhar-se a um mero plebiscito. Já na Rússia, o poder instituído tem vindo a limitar, por via administrativa, as possibilidades de se virem a criar novas formações políticas e as vozes críticas são alvo de intimidação; os serviços do FSB recorrem até ao rapto para dissuadirem as vozes críticas, como nos conta a jornalista Anna Politkovskaya no seu diário. Na Mãe Pátria, o controlo do poder sobre os medias é estrito (há um episódio no documentário de Andrei Nekrasov, Rebellion: The Litvinenko case, em que o realizador percorre vários quiosques de São Petesburgo à procura do Novaya Gazeta e só havia um que tinha; e havia receio…
Em comum aos dois países, apenas os níveis de popularidade de Chávez e Putin, que são altos.