segunda-feira, dezembro 03, 2007

Eleições e Autocracia


Na Rússia, as eleições legislativas consagraram, como era esperado, Valdimir Putin e a sua democracia soberana, a face moderna da autocracia.
A nova duma, ainda mais do que na sua anterior composição, será dominada pelos deputados do Rússia Unida, a ficção partidária engendrada por Putin, sem ideologia, a não ser uma tosca síntese de elementos do czarismo e da grandeza soviética, que congrega oligarcas e antigos burocratas do PCUS, estes últimos no seu elemento, onde podem mandar como nos bons velhos tempos. De resto, apenas mais três formações conseguiram entrar na duma, duas das quais não passam de satélites do presidente, o Rússia Justa e os liberais-democratas do palhaço de extrema-direita Vladimir Jirinovski; por último, o partido comunista, que ainda faz oposição, mas com uma base de apoio envelhecida (os jovens de esquerda escolhem o Partido Nacional-Bolchevique, do escritor Eduard Limonov, impedido pelo Kremlin de concorrer a estas eleições).
Na Rússia de hoje, ser oposição não é fácil, a elite no poder recorre a todos os expedientes para neutralizar a dissidência, se preciso for até ao rapto ou ao assassinato político; os media estão controladas quase na sua totalidade por gente fiel ao presidente. Além disso, Putin tem muito dinheiro para distribuir graças à generosa renda do petróleo.
Dito isto, importa não esquecer que Vladimir putin é genuinamente popular.
Apoiando-se na elite dos serviços secretos, conseguiu travar a decomposição da Federação Russa, domesticou os oligarcas e trouxe aparentemente estabilidade e alguma segurança ao país. Os russos, descrentes da democracia, que associam ao caos e ao saque dos bens públicos, viraram-se para este homem de gestos rudes, mas que lhes inspira confiança e parece ter devolvido o orgulho à Rússia.
E se a Rússia regressou ao estado da autocracia, não é porque lhe esteja no sangue ou seja parte do seu código genético, mas pelo aviltamento que a democracia conheceu às mãos dos liberais russos, os democratas dos anos noventa:

Os dissidentes e os democratas tentaram, durante demasiado tempo, levar o povo a acreditar, erradamente, que Ieltsin, logo ele, era um verdadeiro democrata. Chegou uma altura em que esse conto de fadas se tornou insustentável e «democrata» tornou-se literalmente um palavrão: as pessoas transformaram «demokrat» em «dermokrat» (merdocrata) Tornou-se corrente não só entre os comunistas e estalinistas fanáticos, mas também entre a maioria da população. Os dermokrat» deram à Rússia a hiperinflação, fizeram-nos perder as poupanças que tínhamos trazido do período soviético, iniciaram a guerra da Chechénia e estavam no poder quando da falência monetária do governo russo.

Anna Politovskaya, in Um Diário Russo.

E os Liberais?
Isso depende muito de quem se está a falar. Há esse mito em relação aos liberais como Gaidar e Tchubais, que vocês chamam “jovens reformadores”. Penso, pelo contrário, que eles tiveram um papel extremamente negativo. Essa revolução liberal que lhes é atribuída é uma coisa ambígua e controversa. As pessoas detestam-nos, não por causa da democracia e da liberdade, mas, como direi…por culpa desse, como direi, thatcherismo ou algo ainda mais à direita de Thatcher, essa forma extrema de tomar medidas económicas absolutamente insensíveis. E não muito bem pensadas, pelo contrário algumas bastante primitivas. É isso que, infelizmente, as pessoas hoje associam à liberdade e à democracia.


Andrie Nekrasov em entrevista ao jornal Público/Suplemento Ípsilon, 26/10/07