quinta-feira, setembro 10, 2009

O Debate Sócrates/Louçã e os comentaristas

Deixo Cracóvia para um outro tempo. Por agora, o tempo é de impressões sobre a escolha (cirúrgica) dos comentadores pelos principais órgãos de informação, com destaque para as televisões, sempre tão pródigas em nos fornecerem as narrativas dos debates da política. O debate entre Sócrates e Louçã não podia, pois, fugir à regra.
Os putativos comentadores, investidos de poder simbólico pelos principiais media, logo decretam vencedores e vencidos, num despudorado exercício de desonestidade. Neste país que é o nosso, muita gente (inclusive jornalistas, não obstante as lágrimas de crocodilo) respirou de alívio com fim do jornal de Manuela Moura Guedes, essa mancha na aura de imparcialidade que é imagem cultivada pelo jornalismo doméstico. Mas muito poucos se indignam com as agendas ocultas sob o manto de imparcialidade do nosso jornalismo.
Olhemos, por exemplo, os comentadores escolhidos pela SICNotícias para analisar o debate entre os candidatos do partido socialista e do bloco de esquerda: uma senhora politóloga do ISCP, o jornalista Nicolau Santos, do Expresso, e o empresário, e figura do Eixo do Mal, Pedro Marques Lopes.
Como era de esperar, todos alinharam pelo mesmo diapasão. Ou seja, Sócrates, vencedor incontestado do debate, pôs a nu as coisas sinistras ocultas no programa do BE, em particular essa bandeira da esquerda radical, a da abolição dos benefícios fiscais, capaz mesmo de relegar as nacionalizações para plano modesto.
Os ilustres comentaristas julgaram ver na estória da abolição dos benefícios fiscais o calcanhar de Aquiles de Francisco Louçã. Esqueceram outros que estão bem longe da chamada esquerda radical, e que também vêm denunciando a iniquidade de tais benefícios que só aproveitam a um grupo restrito da população: os que melhor conhecem as vantagens do nosso intricado sistema fiscal; ou que podem remunerar os préstimos de um especialista. Isto é claro no caso dos PPR ou de outros produtos similares. (vide Vital Moreira, Saldanha Sanches e, pasme-se, Bagão Felix). E ignoraram que Louçã, referindo-se às deduções fiscais para as despesas de saúde e educação, disse que “o que pode ser fornecido gratuitamente não precisa de ser deduzido “. Se é certo que grande parte da classe média compensa as despesas com a saúde e a edução através do regime das deduções, importa também não esquecer que quem mais deduz é quem mais gasta. E quem mais gasta é, em regra, quem tem rendimentos mais altos. Logo, há aqui uma natureza regressiva em tais benefícios. Seria socialmente mais justo o estado fornecer estes serviços (Saúde e Educação) a toda população através de um sistema que tenda para uma maior gratuitidade.
Exalta-se o (mau) ilusionismo de um primeiro-ministro que, no debate com Francisco Louçã, abdicou de defender as suas medidas para se limitar tão-só a brandir propostas soltas (melhor dizendo, apenas uma!) do programa do Bloco de Esquerda. É um sinal da importância hoje assumida pelo BE, que deixou de ser visto como um partido simpático. E que daqui para a frente será cada vez mais o alvo privilegiado dos comentadores do bloco central.

P.S. As primeiras páginas do Diário de Notícias de ontem e hoje, tomando como alvo o BE e a questão dos benefícios fiscais, são bem a ilustração do que acabo de dizer. Mas de há muito que este jornal está transformado numa espécie de órgão oficioso do governo.