Milosevic
Num julgamento que ameaçava eternizar-se, o cenário temido por muitos acabou por consumar-se, Slobodan Milosevic morreu sem conhecer o veredicto do Tribunal Penal Internacional de Haia para a ex-Jugoslávia.
A causa da justiça internacional alicerçada no primado dos Direitos Humanos é uma causa nobre e as tiranias deste mundo não podem ficar eternamente blindadas pela soberania nacional. Mas este processo nasceu torto, contaminado pelos maniqueísmos do Ocidente.
A loucura identitária, a espiral de violência étnica que assolou a região, tinha para os políticos e os media apenas um rosto. O rosto de Milosevic.
Não pretendo alijar responsabilidades ao líder sérvio, que fez da ideologia nacionalista instrumento privilegiado da sua ascensão ao poder. Não esqueço a revogação da autonomia de que desfrutava a província do Kosovo (herança de Tito) e as perseguições aos albaneses; não esqueço Vukovar nem Srebrenica. Mas também não esqueço Franjo Tudjman e a expulsão dos sérvios da Krajina, ou as atrocidades perpetradas pelos muçulmanos bósnios e o papel de Alija Izetbegovic . A tragédia jugoslava teve também outros carrascos.
Ao encarnar a culpa em Milosevic e no povo sérvio, o Ocidente prestou um mau serviço à causa da justiça global, no caso da Jugoslávia cada vez mais a assume a forma da justiça dos vencedores.
Eleger, entre povos arrastados para um conflito étnico e que buscam num passado feito de ressentimento a legitimação para a violência presente, vítimas de um lado e algozes do outro, é um exercício político redutor e a prazo fonte de novos conflitos.