quarta-feira, abril 19, 2006

A nova agenda da esquerda

André Azevedo Alves disseca a metamorfose da “extrema-esquerda” no seu artigo da Atlântico, do discurso ancorado no marxismo (independentemente das sua matizes, estalinista, trotskista, maoista, etc.) para o do pós-modernismo, do multiculturalismo e das chamadas causas fracturantes.
Ora, em alguns pontos, sou obrigado a convergir com o André, nomeadamente quanto ao lamentável alinhamento da esquerda com a agenda islamista, como se viu no caso das caricaturas ou em estranhas elegias a regimes despóticos do Médio Oriente só porque estes ousaram desafiar o imperialismo americano. Também lhe dou razão no caso da religião, os direitos das mulheres parecem existir apenas em relação ao cristianismo (ou para sermos precisos em relação ao catolicismo) e rapidamente são dissolvidos na totalidade multiculturalista quando entramos, por exemplo, na esfera do Islão. A defesa de tais direitos parece ter aqui um valor instrumental.
No que discordo é na origem da metamorfose, que o articulista identifica com o colapso do chamado socialismo real, da URSS à Albânia.
A mudança é, pelo contrário, bem anterior, remonta às décadas de sessenta e setenta, com o emergir de novas causas, direitos das minorias, a afirmação das diferenças (sexuais, culturais) e as novas narrativas históricas (sujeitos/povos excluídos da História). Eu creio que a esquerda se deve orgulhar deste legado (eram na essência causas nobres), não obstante as perversões do presente, que eu identifico em grande parte com o a redução da esfera individual ou da cidadania, em nome de toda a sorte de comunitarismos (lembro que há até quem defenda como alternativa o modelo de coexistência das comunidades instituído no antigo Império Otomano).
Por fim, quem primeiro abraçou estas novas causas foram os movimentos e partidos políticos que se situavam à esquerda dos PCs europeus. Estes últimos só mais tarde integraram este leque de novas causas, sendo que no caso do partido comunista português muito timidamente.