Arquétipos do SIM e do NÃO
Lembrando o texto do filósofo Slavoj Zizek sobre a noção de ”típico”, que ancorada no senso comum é objecto de apropriação político/ideológica, aproveito para regressar ao tema do aborto.
A campanha do referendo à despenalização da prática do aborto até às dez semanas não tem sido assim tão diferente da ocorrida em 1998; emergem os argumentos de então, os arcaísmos de sempre, com os inevitáveis párocos, cónegos e bispos a ameaçarem, com o castigo da excomunhão, os cristãos que ousarem votar SIM no próximo mês de Fevereiro. Entre o risível e o terrorismo verbal.
De positivo, o aumento dos movimentos cívicos, embora quantidade não signifique necessariamente mais qualidade. Pelo contrário...
O Não e o Sim têm os seus arquétipos de estimação. Basta tão-só lembrar o caso da mulher emancipada, da classe média, que por “desleixo ou irresponsabilidade” engravidou e que por “egoísmo” decide abortar, subtexto presente em muitos dos artigos e opiniões de doutos representantes do Não. Já em relação ao SIM, temos “a família proletária” (queria dizer “carenciada”, mas não resisti ao anacronismo) que se confronta com o triste destino de ter mais uma “boca” para alimentar.
Evidentemente que as coisas não são assim tão manifestas, e que o quadro que tracei é redutor, havendo, de um lado e do outro da barricada, posições bem mais complexas. Mas convém não ignorar a força significante daqueles dois arquétipos.
O meu SIM, anteriormente exposto neste lugar imaterial que me dizem ser sustentado por uma benemérita empresa americana, não faz distinção (de ordem moral) entre a mulher burguesa e emancipada e a ”proletária”. Ambas têm as suas razões, como diria Jean Renoir. Apenas constato a profunda desigualdade entre quem (não obstante a legislação adversa) pode abortar em condições de razoável segurança (embora a preços inflacionados, convém não esquecer) e quem não tem escolha outra, a não ser sujeitar-se a condições médico-sanitárias deficientes, no limite, pondo em risco a sua própria saúde; é sobre estas mulheres que se abate todo o peso da realidade do aborto clandestino, flagelo a que importa dar resposta.
Quem defende a actual moldura penal, que prevê pena de prisão para a mulher que aborte, está necessariamente a desprezar a esfera de decisão desta última; a sobrepor um juízo moral abstracto à experiência concreta. E não se trata de um juízo moral inócuo, pois tem consequências no plano penal.
Se queremos defender a vida intra-uterina, então importa conhecer as razões destas mulheres, ao invés de as confinar ao mundo sórdido da clandestinidade. Entendo, por isso, a mudança da lei como uma janela de oportunidade.
A campanha do referendo à despenalização da prática do aborto até às dez semanas não tem sido assim tão diferente da ocorrida em 1998; emergem os argumentos de então, os arcaísmos de sempre, com os inevitáveis párocos, cónegos e bispos a ameaçarem, com o castigo da excomunhão, os cristãos que ousarem votar SIM no próximo mês de Fevereiro. Entre o risível e o terrorismo verbal.
De positivo, o aumento dos movimentos cívicos, embora quantidade não signifique necessariamente mais qualidade. Pelo contrário...
O Não e o Sim têm os seus arquétipos de estimação. Basta tão-só lembrar o caso da mulher emancipada, da classe média, que por “desleixo ou irresponsabilidade” engravidou e que por “egoísmo” decide abortar, subtexto presente em muitos dos artigos e opiniões de doutos representantes do Não. Já em relação ao SIM, temos “a família proletária” (queria dizer “carenciada”, mas não resisti ao anacronismo) que se confronta com o triste destino de ter mais uma “boca” para alimentar.
Evidentemente que as coisas não são assim tão manifestas, e que o quadro que tracei é redutor, havendo, de um lado e do outro da barricada, posições bem mais complexas. Mas convém não ignorar a força significante daqueles dois arquétipos.
O meu SIM, anteriormente exposto neste lugar imaterial que me dizem ser sustentado por uma benemérita empresa americana, não faz distinção (de ordem moral) entre a mulher burguesa e emancipada e a ”proletária”. Ambas têm as suas razões, como diria Jean Renoir. Apenas constato a profunda desigualdade entre quem (não obstante a legislação adversa) pode abortar em condições de razoável segurança (embora a preços inflacionados, convém não esquecer) e quem não tem escolha outra, a não ser sujeitar-se a condições médico-sanitárias deficientes, no limite, pondo em risco a sua própria saúde; é sobre estas mulheres que se abate todo o peso da realidade do aborto clandestino, flagelo a que importa dar resposta.
Quem defende a actual moldura penal, que prevê pena de prisão para a mulher que aborte, está necessariamente a desprezar a esfera de decisão desta última; a sobrepor um juízo moral abstracto à experiência concreta. E não se trata de um juízo moral inócuo, pois tem consequências no plano penal.
Se queremos defender a vida intra-uterina, então importa conhecer as razões destas mulheres, ao invés de as confinar ao mundo sórdido da clandestinidade. Entendo, por isso, a mudança da lei como uma janela de oportunidade.