Os genes e o meio. A sombra do racismo
Imagem retirada do blog Cinco Dias Link para o estudo.
Não tem sido muito profícua a minha actividade no Office, não por excesso de afazeres que nos lembram ser o tempo um bem escasso, a causa talvez resida antes nalguma letargia…Ou então, porque me preparei prematuramente para o fim do Verão. Mas o Verão persiste (não sei se é a síndrome do aquecimento global…), e eu fico um pouco à deriva, incapaz de tomar uma decisão, breve, de me disciplinar.
Apesar disso, lá fui acompanhando a polémica em torno das declarações do cientista e Prémio Nobel James Watson, de que os negros seriam menos inteligentes do que os brancos (estou a citar de cor, mas creio que estou a ser fiel ao sentido das suas palavras). De tudo o que vi, ouvi e li, destaco este texto do Vasco M. Barreto, que surgiu no blog Cinco Dias.
Ele toma como boa a tese de que o Q.I. é um instrumento operativo quando se trata de medir a inteligência, uma parte desta, ele ressalva, porque a inteligência não se esgota num conjunto estreito de indicadores quantitativos construídos para medir uma série de aptidões. Mas é um facto que, para parte considerável da comunidade científica, o Quociente de Inteligência é uma ferramenta importante. O interessante é que não é apenas uma questão de “genes”. Porque a parte dele que é geneticamente determinada varia entre 40 e 80%. Ora, tal latitude de variação remete-nos necessariamente para outra ordem de factores, dito de outro modo, para as causas do meio que também enformam um determinado QI, ou uma dada distribuição estatística desagregada por classe social, grupo étnico ou racial, com toda a ambiguidade que tais categorias encerram sempre. Em suma, também no “estreito” domínio do QI o debate genes versus meio parece infindável.
Outra questão importante é a das implicações sociais e políticas de determinadas descobertas científicas. Imaginemos, num grosseiro exemplo, um mundo em a que ciência provava, e comprovava, a existência de uma relação positiva entre as variáveis riqueza, pertença racial ou étnica e inteligência, sendo esta última apenas geneticamente determinada. Seria dramático para a esquerda, porque é da sua natureza a crença na correcção das desigualdades de partida, vulgo, o privilégio de nascimento. Porque as políticas postas em marcha pela esquerda visam reduzir as assimetrias sociais, as desigualdades que têm a sua raiz numa miríade de factores, que não o mérito individual ou a “inteligência”. Tudo isto porque, se a produção de ciência é mais ou menos neutra (está em princípio sujeita a regras de validação inerentes ao campo científico), já não o é apropriação que dela fazem os grupos sociais ou os actores políticos. Tomemos a chamada Acção Afirmativa: em face de uma tal teoria de determinismo genético, dificilmente seriam sustentáveis políticas de imposição de quotas com base em critérios de natureza étnica, na universidade ou no mercado de trabalho. E as restantes políticas sociais acabariam reduzidas a uma dimensão meramente caritativa (a compaixão pelos "mais fracos”), esvaziadas dos princípios de universalidade que hoje as enformam. Isto no cenário optimista, porque os pessimistas poderiam ir da segregação de pessoas e grupos até ao “Pesadelo de Darwin”.
Felizmente que a realidade científica não é assim tão dramática. Olhando para a figura acima, podemos verificar que as curvas normais dos grupos étnicos estão sobrepostas. Assim, tratando-se de meras distribuições estatísticas, não é possível fazer a extrapolação do QI médio da população (de um dado grupo étnico) para o do indivíduo. E basta também olhar para o grau de dispersão destas curvas normais para perceber como é redutor sustentar diferenças de aptidões/inteligência entre os indivíduos com base unicamente em critérios de natureza étnica ou racial. Haveria ainda que explicar as causas ou os factores que explicam determinadas distribuições estatísticas ou curvas normais. Regressaríamos então à velha, mas sempre actual, discussão entre o peso do genético e a importância das causas do meio. E isso está para lavar e durar.