terça-feira, novembro 11, 2008

Angola: 33 anos de independência


Lembrar a independência de Angola. Lembrar o grande jornalista Ryszard Kapuscinki, que cobriu os dramáticos acontecimentos de 1975.
Pela sua escrita, sentimos o pulsar desses dias. O esmorecer da Luanda colonial e o difícil parto de uma nova nação. Por entre portugueses e angolanos. Portugueses que ficam, até que o presente se esgote, e angolanos, do MPLA, que abraçam generosamente o futuro. Este livro de Kapiscinski é um must:

Gradualmente, noite após noite, a cidade de pedra transferiu o seu valor para a cidade de madeira. Gradualmente, também, as pessoas alteraram a sua estimativa da cidade de pedra. Deixaram de pensar em termos de casas e apartamentos e falavam somente de caixões. Em vez de dizerem: - Tenho de ir ver o que tenho em casa – diziam: - Tenho que ir passar revista ao meu caixote. Nesta altura, era a única coisa que lhes interessava, a única coisa com que se preocupavam. A Luanda que iam deixar tinha-se transformado num estranho e tenso cenário, vazio porque o espectáculo tinha terminado.
Nunca vira uma cidade assim em nenhuma parte do mundo e talvez não volte a ver nada que se assemelhe. Existiu durante meses e, de súbito, começou a desaparecer. Ou melhor, bairro após bairro foi levada de camião para o porto. Agora, espalhava-se à beira-mar, iluminada à noite pelas lanternas do porto e o clarão das luzes dos navios ancorados.

[…]

Mesmo assim, consegui ver a cidade a fazer-se ao largo. De madrugada, estava ainda a baloiçar-se à distância, amontoada de forma confusa, desabitada, sem vida, como que transformada magicamente numa peça de museu de uma antiga cidade do Oriente depois de sair o último grupo de turistas. A essa hora, estava nevoeiro e fazia frio. Deixei-me ficar na praia, com alguns soldados angolano e uma pequena multidão de crianças negras maltrapilhas e enregeladas.
- Tiraram-nos tudo – disse um dos soldados sem azedume, e voltou-se para cortar um ananás, porque esse fruto, tão maduro que, quando se cortava, o sumo lhe escorria como a água de um copo, era o então o nosso único alimento.
- Tiraram-nos tudo – repetiu ele, e enterrou o rosto na taça dourada do fruto. As crianças sem abrigo do porto fitavam-no com olhares ávidos e fascinados. O soldado ergueu a face suja do sumo, sorriu e acrescentou:
- Mas, de qualquer maneira, agora temos um lar. Deixaram-nos o que é nosso.

In Mais Um Dia de Vida - Angola 1975.