Doclisboa. East of Paradise
Em East Of Paradise, o cineasta Lech Kowalski confronta as suas raízes por meio do impressionante testemunho da mãe, sobrevivente do Gulag.
Maria Werla Kowalski conta como os soldados soviéticos chegaram à Polónia, no ano primeiro da Segunda Grande Guerra, e a levaram, bem como a outros membros da sua família, para as remotas paragens da Sibéria; para uma vida de trabalhos forçados. No isolamento agreste da tundra siberiana, homens, mulheres e crianças polacas cortavam a madeira que iria servir para a construção de uma linha de caminho de ferro. Esse tempo de escravidão apenas era quebrado pelos interrogatórios e torturas nas celas da NKVD, a polícia política do regime de Estaline.
A crueza do seu relato dá-nos a imagem do que era o sofrimento no Gulag. As descrições daqueles vagões mórbidos, onde se recolhia gente esfomeada, consumida pelo tifo e a disenteria, mas que eram o único abrigo possível do frio, quando Maria e o sobrinho se viram abandonados na imensidão dos grandes espaços russos. Por vezes, havia momentos de humanidade. Recorda-se de quando chegaram a uma aldeia remota e uma mulher idosa lhes ofereceu o que tinha para a sua refeição, e o que tinha era parco. No rosto desta mulher, a vontade de acudir à triste sorte daqueles polacos, a vontade de lhes dar abrigo, mas também o medo (temia pela sorte do filho que era agente da NKVD...). O medo a que o poder totalitário sempre recorre para destruir os laços de solidariedade entre as pessoas. E não esqueceu também aquele guarda do campo de trabalhos forçados, que lhe escrevia cartas de amor; recorda com emoção o seu rosto.
É um relato feito de uma dor indizível. Verbalizar o que aconteceu, ao invés de ser exorcismo dos fantasmas do passado, apenas vem prolongar o sofrimento. Porque não é possível ao esquecimento operar sobre tão traumática experiência. “Por que é que me queres filmar agora?”, pergunta Maria Kowalski. Cede à comoção, não pode continuar. E Lech termina o testemunho filmado da mãe. Um testemunho que é a anatomia do regime inumano que assolou a Rússia nos anos trinta e quarenta do século passado. No rosto de Maria, as marcas da História.
Lech Kowlasiki passa então a falar-nos do que foi a sua vida no undergound nova-iorquino. Perpassam os filmes porno, que foram para Lech a sua inicição ao mundo do cinema, as máfias, as drogas e os concertos de punk e rock. Chega a estabelecer um estranho paralelismo entre as pessoas que se amontam em exíguas salas de concerto com as que outrora eram enclausuradas em vagões fechados e neles levadas para campos de concentração. quer falar sobre sofrimento e morte, também presente na Nova Iorque dos anos setenta. Evidentemente que tal paralelismo é exagerado, mas ele deve ser visto como a procura de Lech Kowalski filiar a sua experiência na da mãe. Acaba por desembocar num discurso de crítica ao poder, a todo e qualquer tipo de poder. Na vontade de viver à margem deste, de querer ser um anarquista.
Maria Werla Kowalski conta como os soldados soviéticos chegaram à Polónia, no ano primeiro da Segunda Grande Guerra, e a levaram, bem como a outros membros da sua família, para as remotas paragens da Sibéria; para uma vida de trabalhos forçados. No isolamento agreste da tundra siberiana, homens, mulheres e crianças polacas cortavam a madeira que iria servir para a construção de uma linha de caminho de ferro. Esse tempo de escravidão apenas era quebrado pelos interrogatórios e torturas nas celas da NKVD, a polícia política do regime de Estaline.
A crueza do seu relato dá-nos a imagem do que era o sofrimento no Gulag. As descrições daqueles vagões mórbidos, onde se recolhia gente esfomeada, consumida pelo tifo e a disenteria, mas que eram o único abrigo possível do frio, quando Maria e o sobrinho se viram abandonados na imensidão dos grandes espaços russos. Por vezes, havia momentos de humanidade. Recorda-se de quando chegaram a uma aldeia remota e uma mulher idosa lhes ofereceu o que tinha para a sua refeição, e o que tinha era parco. No rosto desta mulher, a vontade de acudir à triste sorte daqueles polacos, a vontade de lhes dar abrigo, mas também o medo (temia pela sorte do filho que era agente da NKVD...). O medo a que o poder totalitário sempre recorre para destruir os laços de solidariedade entre as pessoas. E não esqueceu também aquele guarda do campo de trabalhos forçados, que lhe escrevia cartas de amor; recorda com emoção o seu rosto.
É um relato feito de uma dor indizível. Verbalizar o que aconteceu, ao invés de ser exorcismo dos fantasmas do passado, apenas vem prolongar o sofrimento. Porque não é possível ao esquecimento operar sobre tão traumática experiência. “Por que é que me queres filmar agora?”, pergunta Maria Kowalski. Cede à comoção, não pode continuar. E Lech termina o testemunho filmado da mãe. Um testemunho que é a anatomia do regime inumano que assolou a Rússia nos anos trinta e quarenta do século passado. No rosto de Maria, as marcas da História.
Lech Kowlasiki passa então a falar-nos do que foi a sua vida no undergound nova-iorquino. Perpassam os filmes porno, que foram para Lech a sua inicição ao mundo do cinema, as máfias, as drogas e os concertos de punk e rock. Chega a estabelecer um estranho paralelismo entre as pessoas que se amontam em exíguas salas de concerto com as que outrora eram enclausuradas em vagões fechados e neles levadas para campos de concentração. quer falar sobre sofrimento e morte, também presente na Nova Iorque dos anos setenta. Evidentemente que tal paralelismo é exagerado, mas ele deve ser visto como a procura de Lech Kowalski filiar a sua experiência na da mãe. Acaba por desembocar num discurso de crítica ao poder, a todo e qualquer tipo de poder. Na vontade de viver à margem deste, de querer ser um anarquista.