quinta-feira, janeiro 29, 2009

A Tréplica. Ou de como não passo de um impenitente

Caro Luís,

É com apreço que vejo o teu esforço para me reavivar a memória, coisa que nem os psicanalistas mais ou menos freudianos têm conseguido. Mas, sem querer fazer de ti um Dom Quixote, tenho de te confessar que a coisa está infelizmente bem recalcada…
Devia então regozijar-me por um filantropo banqueiro me ter concedido o dinheiro para o meu lar doce lar. Assim pude trocar a realidade operária da cooperativa de habitação pelo bairro de classe média de contornos mais ou menos suburbanos.
Vivo, enfim, no melhor dos mundos possíveis. Sou um proprietário! E consumidor também. É certo que penso nos mais de vinte anos de pagamentos ao meu generoso banqueiro que, como dizes, me permitiu materializar aquele direito social e me fez acreditar ainda mais na nossa Constituição da República, que ainda conserva o espírito de Abril, apesar do mal que lhe têm feito. Vê lá que até tenho um seguro, mais do que um! É verdade, não me deixavam fazer o empréstimo sem o seguro! Eu sei, amigo Luís, devia acreditar que eles só querem o meu bem. Mas não consigo. Estou talvez demasiado ligado à infância, ou talvez à adolescência, o que se têm agravado com a idade. Estou demasiado ligado a crenças ingénuas que não me saem da cabeça. Acredito que a vida vem da água e da terra. E que para viver precisamos do pão e circo romanos, da arte e do saber, dos amores e desamores. Custa-me que tudo isso esteja submetido aos financeiros, que estes sejam o centro do mundo. Do nosso mundo.


Saudações fraternais!

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