Livros - A Conspiração Contra a América
Em A Conspiração Contra a América, o romancista Philip Roth entrega-se a um (inteligente) exercício de História virtual.
Imagina Charles Lindbergh, o célebre aviador anti-semita conhecido pelas suas simpatias por Hitler e pelo regime nazi, presidente dos Estados Unidos; depois de derrotar Franklin D. Roosevelt, que se preparava para exercer um (inédito) terceiro mandato. Estamos em 1940, com grande parte da Europa já sob o jugo nazi.
Lindbergh põe em prática políticas de discriminação/assimilação dos judeus americanos. Primeiro, criando o Just Folks, programa de trabalho voluntário destinado aos jovens judeus, que passam longos meses em quintas agrícolas da América profunda, para se familiarizarem com os valores tradicionais americanos. Depois, fazendo uso do Homestead Act (legislação criada em 1862 para apoiar os agricultores americanos na colonização do Oeste Selvagem) para desenraizar os judeus, dispersando-os pelos vários estados da América. Friso que estamos no domínio da História Virtual, mas Roth tem o mérito de nos mostrar que mesmo os mais nobres instrumentos legislativos podem servir causa perversas.
A Conspiração Contra a América é feita de impressões de cariz autobiográfico (a história é-nos contada pelos olhos de uma criança que é o próprio escritor) combinadas com personagens históricas que marcaram a paisagem política americana dos anos trinta e quarenta. Num tempo em que o isolasionismo e o anti-semitismo andavam de mãos dadas (Mantenham a América Fora da Guerra Judaica!).
Começou uma nova vida para mim. Tinha visto o meu pai desmoronar-se e nunca mais voltaria à mesma infância. A mãe que estivera em casa estava agora todo o dia ausente a trabalha no Hahne’s; o irmão sempre presente trabalhava agora, depois da escola, para Lindbergh, e o pai que cantara desafiadoramente para aqueles imaturos anti-semitas da cafetaria, em Washington, chorava agora alto, com a boca escancarada – chorava, ao mesmo tempo, como uma criancinha abandonada e um homem a ser torturado – por se sentir impotente para deter o imprevisto. E, como a eleição de Lindbergh não poderia ter tornado mais claro para mim, a revelação do imprevisto era tudo. Virado do avesso, o implacável imprevisto era o que nós, miúdos da escola, estudávamos como «História», história inofensiva, em que tudo quanto é inesperado no seu próprio tempo é relatado na página do livro como inevitável. O terror do imprevisto é que a ciência da História oculta, transformando uma tragédia numa epopeia.
In A Conspiração Contra a América
P. Roth não resistiu ao pesadelo que criara. E, lá mais para o fim do livro, quando a América começa a ser assolada por pogroms, sente necessidade de se desembaraçar de Lindbergh. E como nos livros de estórias o escritor é quem mais ordena, Philip Roth fez desaparecer Charles Lindebergh, depois de um desses voos no Spirit of St. Louis. E tudo voltou a ser como dantes.