sábado, setembro 19, 2009

A Campanha, o Governo e os Media que temos

Não há memória de uma campanha em que o debate sobre os problemas do país tenha sido tão ofuscado por uma sucessão cirúrgica de episódios muito bem engendrados. Primeiro, a questão espanhola a propósito do TGV (discutiu-se Manuela Ferreira Leite e Espanha, em prejuízo do TGV), depois o caso da compra de votos em secções da Distrital de Lisboa do PSD (prática que não é assim tão inédita, e que poderíamos alargar a outros partidos) e, agora, a manchete do Diário de Notícias a dar conta de que a notícia das escutas a membros da Casa Civil da Presidência tinha sido, afinal, encomendada ao PÚBLICO por um assessor do Presidente da República.
Todos estes casos desviam-nos das questões políticas que deveriam enformar o debate político nos media em tempo de eleições. A saber: as questões do investimento público como meio de resposta à crise, do desemprego, do endividamento externo, do combate às desigualdades sociais, do ambiente, etc. Políticas governamentais, como a do modelo de avaliação dos professores ou a da tributação dos reformados, ou mesmo a dos dinheiros dos contribuintes injectados na banca, e não noutros sectores da economia, praticamente deixaram de ter espaço nos meios de comunicação social.
Não deixamos de entrever simetrias entre a estratégia de José Sócrates nos debates, que se traduzia em centrar a discussão nos programas eleitorais dos adversários, evitando o escrutínio das medidas políticas implementadas pelo seu governo ao longo destes quatro anos, e a sucessão de episódios aludidos atrás. Porque de tudo isto quem sai favorecido é o Governo, que relega para o limbo do esquecimento os problemas do país real.
Diríamos que a estratégia propagandística que o Governo tão bem tem imposto aos principiais media está, tomando de empréstimo a expressão de um secretário de estado, a trucidar o PSD, cujos estrategos da campanha não parecem estar à altura do desafio (as sondagens, com toda a reserva que nos poderão suscitar, revelam uma progressão do partido socialista e uma queda dos socais-democratas).
Sabemos do gosto dos media pela sociedade do espectáculo, mas isso não nos deve iludir acerca das agendas políticas por estes prosseguidas. Não podemos olharmos para a manchete do Diário de Notícias e ver nela apenas informação. Isso seria esquecer que a agenda informativa deste jornal não raro se confunde com a do governo. Por vezes, perante as primeiras páginas do Diário de Notícia, mais parece que estamos a ler um órgão oficioso do governo.
A vantagem do Governo no campo dos media não é de hoje. E tal vantagem pode não ser despicienda para o resultado eleitoral de 27 de Setembro.


P.S. Sintomática a suspensão do Jornal Nacional da TVI, hoje quase esquecida. Bastou a tese, largamente difundida, de que o governo não podia ser o responsável pela suspensão daquele jornal, dado que seria politicamente desastroso fazê-lo em vésperas de eleições, para logo sossegar a boa sociedade dos media. Ninguém, por um instante que fosse, pensou na hipótese de o Governo ter promovido a suspensão do Jornal Nacional a coberto da tese de que seria politicamente desastroso cometer um acto dessa natureza com eleições à porta….Certo é que o Jornal de Manuela Moura Guedes dava notícias incómodas para o governo. Certo é que esse jornal acabou.