Kakitsubata - As Íris
Sexta-feira passada, fui assistir a uma peça de teatro Nô, integrada na programação do Estado do Mundo.
Foi para mim um desafio à experiência, algo difícil de descrever por palavras, uma visão de austeridade e beleza; que aqui são inseparáveis, não existindo uma sem a outra. A linguagem, essa, é a da dor da alma atormentada por um amor passado; portanto, universal.
Nada melhor do que transcrever parte do texto contido na brochura fornecida pela organização:
A base deste Nô é a História de Isei”: este homem, que viveu no século IX, deixou-nos o livro em que escreveu o poema japonês da flor da linda íris. O espírito da flor aparece e dança. Ele dança com a coroa e as roupas que lhe recordam a seu amor e que simbolizam a sua alma e a dela, e num só corpo reúnem-se três almas, juntando-se também a da flor. É esta a ideia geral da peça. A máscara Nô aqui utilizada é uma obra-prima do século XVI. A peça foi criada no século XV e ainda hoje é representada praticamente na forma original.
Ariwara Narihira, poeta e aristocrata e viajante, deixa-se fascinar pelo florir dos lírios. A beleza dos lírios convoca o passado (Dizem que as flores nunca se esquecem das estações enquanto as árvores não têm sentimentos), um amor trágico. A recordação anima o espírito da íris, que dança para o viajante e poeta.
Foi o que o vi e senti: uma dança de movimentos quase imperceptíveis e um canto feito de dor, em que mesmos os sons de uma flauta vagamente bucólica parecem querer lembrar esse tempo que passou. A saudade, diríamos nós, os portugueses.
Percebe-se que este é um teatro carregado de simbolismo, das cores que ornamentam as vestes e o leque do actor que encarna este espírito da natureza aos tambores que parecem pautar o ritmo do tempo, mas decifrar tais mistérios não é tarefa ao meu alcance. Deixo-me ficar com a beleza do que pertence à ordem do inviolável.
O teatro Nô data do século XIV, dizem os cronistas.