sexta-feira, novembro 30, 2007

Ainda a democracia

Ainda a democracia, algumas notas sobre o artigo do Pedro Magalhães publicado no jornal Público de Segunda-feira última.
É verdade que o olhar sobre esta forma de governo se alterou com a evolução histórica, e que hoje a concebemos como indissociável de alguns princípios que foram consagrados nas nossas sociedades (refiro-me grosso modo às sociedade da Europa Ocidental e da América do Norte), tais como o da separação dos poderes e do império da lei ou o do respeito pelos direitos das minorias.
Para nós, a democracia existe na medida em que estão presentes ou são respeitados aqueles princípios. Ora, isto advém do consenso ou do sistema central de valores em que se fundam as sociedades do Ocidente demo-liberal e também do facto de nelas a democracia estar, por assim dizer, naturalizada. Dos espectros da direita à esquerda, são praticamente inexistentes os discursos sobre modelos alternativos do governo coisa pública; a tirania está evidentemente fora de moda, pelo menos no plano discursivo.
Já no século XIX, como o Pedro bem refere, o entendimento era outro. Para autores como John Stuart Mill ou Alexis Tocqueville o poder do povo soava a tirania da maioria. Eles temiam a “democracia das massas” e enfatizavam a importância dos limites à democracia. Ao poder do povo.
Nesta linha de pensamento, o ponto de partida é o sentido etimológico da palavra: Demo (povo) + Kracia (governo). E os princípios que hoje associamos à democracia eram vistos como estando fora dela, servindo para a refrear ou moderar. Eu creio que em rigor conceptual é assim, quando falamos de um poder judicial por norma não eleito (vide, por exemplo, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos, que os juízes são nomeados vitaliciamente) ou de um qualquer banco central, instâncias que limitam a acção dos governos e por essa via o poder do povo.
Em suma, a democracia tem necessariamente uma tradução eleitoral. Ou seja, pressupõe eleições livres e abertas (competitivas) Ir além disto na sua definição, parece-me manifestamente exagerado (na origem do conceito democracia não estava inscrita qualquer noção de governo limitado; a não ser pelo povo).


P.S. Os exemplos da Venezuela e da Rússia não me parecem equiparáveis.
Na Venezuela, as forças políticas da oposição podem livremente candidatar-se a eleições e existem canais pelos quais elas se podem exprimir. Prova disso mesmo é o referendo sobre a nova constituição, que está longe de assemelhar-se a um mero plebiscito. Já na Rússia, o poder instituído tem vindo a limitar, por via administrativa, as possibilidades de se virem a criar novas formações políticas e as vozes críticas são alvo de intimidação; os serviços do FSB recorrem até ao rapto para dissuadirem as vozes críticas, como nos conta a jornalista Anna Politkovskaya no seu diário. Na Mãe Pátria, o controlo do poder sobre os medias é estrito (há um episódio no documentário de Andrei Nekrasov, Rebellion: The Litvinenko case, em que o realizador percorre vários quiosques de São Petesburgo à procura do Novaya Gazeta e só havia um que tinha; e havia receio…
Em comum aos dois países, apenas os níveis de popularidade de Chávez e Putin, que são altos.

A Greve

Votos de um bom fim-de-semana prolongado

Queria aproveitar estes últimos minutos antes da meia-noite (*) para desejar a todos os que amanhã irão estar sem fazer nada, gozando do seu direito à greve, os votos de um bom fim-de-semana alargado. Que o gozem com saúde, é o meu desejo.

Este que vos escreve lá terá de ir trabalhar para ajudar a pagar os “direitos sociais” que ajudam a tornar sofrível a servidão pública.
E servidão será, porque se não é, como justificar que tantos continuem presos a uma vida tão sofrida e não conjurem a hipótese de ir ao mercado de trabalho oferecer-se a alternativas que valorizem as suas expoentes e mal remuneradas capacidades produtivas? Como justificar os milhares de candidatos a qualquer anúncio de emprego em instituições estatais - um imenso sentimento de servidão masoquista? Talvez seja uma inata capacidade de sacríficio em prol do bem comum, algo inscrito no código genético e impossível de contrariar.
Confesso que a última hipótese é a que mais verosímil se me apresenta.
O que torna os meus votos, para os próximos três dias de descanso, ainda mais devidos.

Leitura complementar (para ajudar a passar o tempo livre extra): O direito à greve e o direito ao “não me chateiem”

(*) - Colocado ontem no Insurgente.

quarta-feira, novembro 28, 2007

Sicko






“O seu novo Serviço Nacional de Saúde começa a 5 de Julho. Ele irá fornecer-lhe todos os cuidados médicos, dentários e de enfermagem. Qualquer pessoa, rica ou pobre, homem, mulher ou criança pode utilizá-lo, qualquer parte dele. Não tem custos, a não ser para alguns casos especiais, não há obrigações de seguro, mas não é uma caridade. Será pago pelos contribuintes e irá aliviar as suas preocupações financeiras em tempos de doença."
5 de Julho de 1948, data da criação do Serviço Nacional de Saúde no Reino Unido.

Sicko é eficaz na exposição dos podres de um sistema de saúde tornado cativo das seguradoras.

Este documentário vale por essas histórias de vida, arrepiantes, de gente que tem seguro e se julgava segura em caso de doença.

Michael Moore, ao contrário do que poderíamos supor, não se centra nos “cinquenta milhões americanos” que não têm seguro de saúde, mas sim naquela imensa maioria da classe média que o tem.

A doença é sempre causa de sofrimento. Mas o que dizer se, para além de tal infortúnio, o doente e os seus familiares ainda são confrontados com os custos dos tratamentos não cobertos pela companhia de seguro, à laia de cláusula oculta ou de uma qualquer pré-condição? Então a vida passa a ser pesadelo. Sim, para muitos americanos, a doença vem acompanhada do aumento dos prémios de seguros, de insidiosas investigações à sua história clínica por parte de peritos cuja missão é nelas encontrar falhas ou omissões que conduzam ao cancelamento dos contratos ou à retirada dos benefícios a que os clientes tinham direito. É um mundo em que os médicos mais recebem quanto maior for a taxa de recusa dos pedidos de tratamento interpostos pelos clientes; são certamente os prémios de desempenho, na novilíngua empresarial das seguradoras. Há o testemunho, perante o Congresso dos Estados Unidos, de uma médica da Humana que confessa ter causado a morte de um homem, ao ter lhe indeferido o pedido de financiamento de cuidados médicos; tudo em nome do lucro da companhia.

Depois de uma primeira parte feita de uma montagem de testemunhos numa linguagem narrativa que diríamos mais próxima do registo televisivo do que cinematográfico, Moore lança-se num périplo por países com sistemas de saúde de cobertura universal, casos do Canadá,do Reino Unido ou da França. E aqui o seu discurso altera-se, passando a assumir o tom de um panegírico, em que desfilam apenas as boas coisas daqueles sistemas e nem sombra das listas de espera. Evidentemente que Moore está a contrastar, visto este documentário ser também uma peça da luta política em curso nos EUA por um outro sistema de saúde, certamente mais generoso na sua cobertura (e há candidatos presidenciais que estão na primeira linha desse combate, como é o caso de Obama). Mas no essencial o cineasta tem razão: a balança pende claramente para o lado do Canadá e daqueles países europeus, cujos indicadores da mortalidade infantil e da esperança de vida são bem melhores do que os dos Estados Unidos, pouco mais do que medíocres no contexto dos países desenvolvidos. Mesmo Portugal, cujo serviço nacional de saúde de cobertura universal é talvez a grande realização da democracia, consegue nestes indicadores ter uma prestação superior à do sistema americano. E no entanto os Estados Unidos são provavelmente o país que mais contribui para o avanço da medicina. Talvez o cerne da contradição resida no primado do lucro, num país que parece ter submetido a saúde dos cidadãos ao diktat das companhias de seguros (cada vez mais se assemelham a realidade orwellianas).

O filme termina em Cuba. Emerge o Moore agent provocateur, numa pequena embarcação ao largo da base de Guantánamo, clamando por tratamento médico para alguns voluntários das operações de salvamento do Onze de Setembro. Tratamento médico igual ao que recebem os terroristas aí encarcerados. Depois, o ecrã a negro e a Cuba de Castro, onde os voluntários excluídos do programa federal de apoio médico vão conhecer as virtudes do sistema de saúde cubano. Também de cobertura universal. Também gratuito.

É um documentário politicamente implicado, como não podia deixar de ser em Moore, alicerçado numa montagem de eventos muitos eficaz e que revela perfeitamente a mensagem que o realizador iconoclasta quer fazer chegar ao público, principalmente ao público americano. As analogias com recurso à Guerra das Estrelas e a filmes da propaganda soviética foram muito bem engendradas. Não há lugar para a neutralidade, que é a mais da vezes uma ilusão. Qualquer documetário implica escolhas que enformam o discurso. E o bom documentário não tem necessaria/ de partir de premissas neutras. Muito pelo contrário, basta olhar para a história deste género fílmico.

P.S. Ranking dos sistemas de saúde, OCDE.



segunda-feira, novembro 26, 2007

Sea Song


Aqui o mesmo tema, mas por um Robert wyatt muito mais novo. A mesma fragilidade.

Solar Flares Burn for You


Solar Flares Burn for You é, à falta de melhor definição, um filme experimental realizado por Arthur Johns em 1973. Há nele, como não podia deixar de ser, muito psicadelismo. A música, essa, é de Robert Wyatt.
Eu não resisto a este título...

sexta-feira, novembro 23, 2007

Sobre a Democracia e a Venezuela

Ainda sobre a questão venezuelana, eu creio que o Pedro Magalhães incorre num erro conceptual muito comum entre os cientistas sociais, que é o da excessiva latitude na definição de um conceito central como o da democracia, o que nos conduz para a cómoda formulação de que “não há consenso” quanto à sua substância.

Ora, penso que convém não perder de vista a etimologia da palavra: Democracia significa literalmente o governo do povo, nada mais do que isso. Pressupõe que o povo exerça directamente o governo da Polis, em assembleias (emanação da democracia directa), ou escolha os seus representantes por meio de eleições abertas (competitivas) e livres. Tudo o mais, como a separação de poderes, os direitos económicos, sociais e de protecção das minorias, são aquisitivos civilizacionais, que nalguns casos podem mesmo preceder a própria instauração da democracia. Com efeito, nos chamados regimes do liberalismo constitucional já estavam presentes muitos daqueles atributos, como por exemplo a limitação do exercício do poder, a igualdade face à lei e a consagração da esfera de autonomia do indivíduo, passando pela liberdade de culto e a tolerância para com as minorias. No entanto, nestes regimes, o voto era censitário e capacitário, não estava ainda consagrado o sufrágio universal; portanto, não eram democráticos (vide o caso da Inglaterra do século XIX).

Se hoje concebemos a democracia como indissociável daqueles atributos, isso deve-se à evolução histórica, cultural e simbólica da política neste nosso Ocidente. Mas se queremos ser rigorosos, a democracia é apenas a capacidade de o povo escolher livremente a forma de governo que mais lhe aprouver. Nada nos diz quanto à bondade de tais escolhas. Acontece que por vezes vão no sentido contrário à liberdade ou à tolerância, como na cosmopolita Viena dos fins do século XIX, em que o alargamento do sufrágio conduziu à vitória, em eleições democráticas, do anti-semita Karl Lueger. Ou como, mais recentemente, na Jugoslávia, em que a instauração da democracia precipitou os Balcãs numa espiral de violência étnica.

Pode ser que, também na Venezuela, os leitores com o seu voto democrático legitimem uma deriva autoritária. Esse risco existe, embora eu não seja tão afirmativo quanto o Pedro (na Venezuela, a oposição está presente e mobiliza meios, é preciso não esquecer). Até agora Chávez ainda não deu sinais de querer embargar o processo eleitoral democrático que tem sido a sua fonte de legitimação.


quinta-feira, novembro 22, 2007

Coisas sobre Chávez e os nossos analistas

A propósito da (curta) visita de Hugo Chávez ao nosso país, logo apareceram os do costume, os tais jornalistas e editores muito dados a patrões da opinião pública, vertendo lágrimas pelo estado da (“ainda”) democracia venezuelana.

O discurso ad nauseam sobre o fecho do canal privado RCTV (esquecendo o papel dessa televisão no golpe de estado), sobre o líder autoritário que ameaça o pluralismo democrático e a propriedade privada, enfim, sobre a Constituição que aí vem e o fim da separação dos poderes. Tudo num tom circunspecto, naturalmente, de quem conhece a fundo artes da política; tudo muito bem condimentado com a inevitável dose de eurocentrismo.

Ao lê-los, porque não há como evitar, pois eles ocupam as páginas dos jornais de referência, ficamos com a impressão de que a Venezuela era o melhor dos mundos antes de Chávez: uma democracia próspera sob o império da lei, governada por uma elite racional e responsável, hábil na gestão dos imensos recursos petrolíferos.

Evidentemente que tais luminárias nunca falam da pobreza endémica do país, nem de como esta tem vindo a diminuir com as políticas de Chávez; com as misiones que levam os cuidados básicos de saúde até aos mais pobres (José Manuel Fernandes, por exemplo, fala-nos das missões ideológicas dos cubanos, mas nem uma linha sobre as políticas socais, que ele despreza). É curioso como, à luz da novilíngua reinante, qualquer política de cariz redistributivo é sempre desperdício ou populismo, mas já passa ser do domínio da mui responsável gestão económica se consistir na distribuição dos lucros e dividendos do petróleo pelos accionistas e demais membros de um qualquer conselho administração. Estamos no mundo às avessas de Eduardo Galeano.

Devo dizer que há muita em coisa em Chávez de que discordo, desde logo, o lastro de populismo, a vontade de se perpetuar, mesmo que tudo tenha obtido pelo voto dos eleitores (algo que os doutos analistas esquecem ou menosprezam; eles preferem sem dúvida aqueles democratas que o tentaram derrubar através do recurso ao golpe de estado…). Mas não tenho quaisquer complexos em louvar a política de redistribuição social que ele pôs em prática. A primeira do país. A primeira vez que um governante venezuelano ousou empregar os proventos dos petróleo para melhor a condição dos que pouco ou nada têm.


P.S. Este artigo da Francisca Gorjão hernriques constitui a excepção à regra, pois dá voz a outras vozes.

terça-feira, novembro 20, 2007

Kosovo: a Independência no horizonte


Das eleições legislativas realizadas no Kososo, emerge um rosto. O rosto de Hashim Thaci, líder do Partido Democrático do Kosovo, que delas saiu vitorioso.
Hashim Thaci é portanto um líder legitimado em eleições democráticas, se entendermos a democracia como a expressão do voto da maioria. Mesmo que essa maioria tenha uma conotação étnica, implicando a exclusão do outro. E, aqui, o outro confunde-se necessariamente com a minoria sérvia. É certo que poderíamos lembrar outros remanescentes, hoje reduzidos à quase inexistência por força da política de limpeza étnica levada a cabo pelas autoridades albanesas kosovares. A própria minoria sérvia parece reduzida ao menor denominador comum, confinada a pequenas parcelas de território, breve, guetizada.
Eis a triste herança deixada pela União Europeia e a Nato, a quem incumbia proteger os diferentes grupos étnicos desta província da Sérvia. .
Ironicamente, a intervenção militar da Nato, feita em nome de um Kosovo multiétnico que importava preservar, acabou por desembocar num território hoje muito menos diverso. Inúmeras famílias de sérvios kosovares abandonaram as suas casas e terras, perante a violência das milícias armadas do UCK, o exército de libertação do Kosovo, de Hashim Thaci. Convém lembrar que os guerrilheiros do UCK, responsáveis pelo exacerbar das tensões nos anos de 1996-99, foram armados pela Nato ainda antes do eclodir da (criminosa) agressão à Jugoslávia (1999). Vivesse Hashim Thaci noutra latitude, e muito provavelmente seria considerado um terrorista pelos EUA e a União Europeia. Mas não. Ele será o próximo primeiro-ministro do Kosovo, legitimado pelas urnas, prepara-se para proclamar a independência unilateral. E acabará por ver os seus esforços serem recompensados. Por um Ocidente que, desrespeitando o princípio da integridade territorial, se prepara para dar a sua caução à independência do Kosovo, fazendo tábua do acordo que pôs fim à guerra, a resolução 1244 da ONU, que consagrava o respeito pelas fronteiras da Jugoslávia. Para os líderes democráticos deste nosso Ocidente, os acordos internacionais não passam de pedaços de papel prontos a serem rasgados... E é o regime autoritário da Rússia de Putin quem vem lembrar, ironia das ironias, o Direito Internacional.

segunda-feira, novembro 19, 2007

Uma questão de fé


“Vi os documentos, tive-os à minha frente, dizendo que havia armas de destruição maciça no Iraque. Isso não correspondeu à verdade”, garante, dizendo que “hoje em dia é fácil pôr as culpas no presidente Bush” mas que falou na ocasião também com Bill Clinton, que disse também estar “absolutamente convencido”.
Durão Barroso in Público

Eu creio que há muito de sinceridade em tudo isto. Ou seja, o actual Presidente da Comissão Europeia não está mentir; nem a refugiar-se em omissões.
Durão acreditou no que lhe disseram os americanos. Como outrora acreditava em tudo o que provinha do revolucionário Império do Meio.
Portanto, uma questão de fé.

Também Contra a Corrente.

Respondo então ao desafio do Egar, do blog The Sock Gap, dando a conhecer a 5.ºfrase completa da página de um livro escolhido mais ou menos de forma espontânea. Na verdade, foi olhar para a estante e logo dar de caras com este exemplar, Fidelidade e Gratidão e Outros Textos, do sociólogo Georg Simmel. Não havia como recuar, este livro não me deixava outra escolha:


Assim, o sujeito dessa coquetterie escapa da realidade tangível para uma categoria em suspenso, incerta, que contém o seu verdadeiro ser, mas que não é claramente captável.

George Simmel, in Fidelidade e Gratidão e Outros Textos (Relógio D’Água).

Bem, confesso que o fenómeno da coquetterie me parece coisa deveras intangível. Longe de mim entrar nos seus desígnios, para mim, é como uma arte oculta. E assim permanecerá.
Não passo o desafio a ninguém, ando um bocado misantropo.

quinta-feira, novembro 15, 2007

(Contra a) Corrente

O Edgar é o escriba do "The Sock Gap" e lançou ao "pessoal do Office Lounging" (Marvão, isto também deve ser contigo, se conseguires deixar de sonhar com socialismo bolivariano...) o desafio de dar a conhecer a 5ª frase da pág. 161 de um livro. Caro Edgar, como já tive oportunidade de responder a esse desafio no Insurgente (no caso, convocado pelo Helder), e se não se importar muito, repito-me com o que havia à mão de semear, naquele dia:
Cá vai sementeira:


First, the “best” portfolio of common stocks must be selected - S in our example [Portfolio S is the point of tangency to the set of efficient portfolios. It offers the highest expected risk premium (r-rf) per unit of standard deviation.].

Principles of Corporate Finance - Richard A. Brealy / Stewart C. Myers

Claro, não faço a menor ideia do que eles estão para ali a dizer…

E já agora, porque ainda está por arrumar, dum livrito que mal tem 100 páginas (mais de 110, sem bonecos ou bonecas versão centerfold, é coisa para além das minhas capacidades cognitivas), página 21, frase nº sei-lá-porque-não-conto-fora-do-horário-laboral:


-E também é claro que é bastante irreligioso?
- Ah, não, de todo. O que a casa agora gasta é um quadro espiritual católico romano com uma consciência agnóstica: tem-se assim o pitoresco medieval do primeiro, juntamente com as comodidades modernas da segunda.

Contos de Saki - Saki (aka Hector Hugh Munro)
E prontos, pá... A corrente quebra aqui.

O Som no Office

Há alguns dias que toca em repeat para regalo deste Vosso escriba, depois de uma descoberta mais ou menos acidental.
Soube agora que poderemos ouvir ao vivo a senhora e os seus investigadores no Casino Lisboa, dia 26.
Mas o que tem piada, é que ando desde há uns tempos a ouvir um disquito muito jeitoso, dos idos de '95, chamado Earth And Heaven e de uma banda que dava pelo nome de Repercussions.
Então não é que a vocalista é a mesma e excelente Nicole "Bubba Diva" Willis!?


Nicole Willis & The Soul Investigators - If this ain't Love (Don't know what Love is)
Do disco Keep Reachin' Up, de 2005.

segunda-feira, novembro 12, 2007

Uma família ibero-americana


No fundo, tudo não passou de mais uma zanga de família. E tudo ficará como dantes.
Os "primos” Ortega e Morales saíram em defesa de Chávez. Fidel também lhe deu a sua caução, num artigo de jornal. Talvez isso seja o mais importante para Chávez, o apoio de Fidel, que é como um pai para ele.
Também é verdade que o Rajoy e o Aznar cultivaram, não assim há muito tempo, amizades muito pouco recomendáveis.

Da Declaração de Imprescindível Utilidade Pública.

sexta-feira, novembro 09, 2007

Clusters no Número


A dupla germânica, Dieter Moebius e Hans-Joachim Roedelius, está entre nós. Logo à noite no Festival Número. A não perder.

Red Love

Vassilissa was a working-girl twenty-eight years old, a knitter by trade. Thin, anemic, a typical child of the city. Her hair, cut short after typhus, grew in curls. From a distance she looked like a boy. She was flat-chested, and wore a shirtwaist and a wornout leather belt. She was not pretty. But her eyes were beautiful: brown, friendly, observant. Thoughtful eyes. Those eyes would never pass by another’s sorrow.
Alexandra Kollontai, in Red Love (1927)

quinta-feira, novembro 08, 2007

Outubro. Um cartaz


Este foi o cartaz que, no estrangeiro, promoveu o filme Outubro, de S. Eisenstein.
Mostra rostos de pessoas comuns sob um fundo vermelho. Talvez uma bandeira vermelha.

quarta-feira, novembro 07, 2007

90 anos de Outubro



Outubro foi há noventa anos. Representou esperança e mais tarde desilusão. Marcou o século vinte, o século soviético, como lhe chamou Moshe Lewin.
Na verdade, como refere o historiador Eric Hobsbawm, o poder, mais do que tomado pelos bolcheviques, caiu nas suas mãos como fruto maduro.
“Diz-se que mais gente se feriu nas filmagens da grande obra de Eisenstein, Outubro (1927), do que durante a tomada do Palácio de Inverno em 7 de Novembro de 1917”
Hobsbaum fala-nos também da repercussão de Outubro no mundo de então:

Os anos 1917-19, em Espanha, vieram a ser conhecidos como o «biénio bolchevique», embora a esquerda local fosse anarquista apaixonada, ou seja, politicamente estivesse no pólo oposto ao de Lenine. Movimentos estudantis revolucionários irromperam em Pequim em 1919 e em Córdoba (Argentina) em 1918, depressa se gerando por toda a América Latina e gerando líderes e partidos marxistas revolucionários locais. O militante nacionalista índio M. N. Roy deixou-se imediatamente fascinar no México, onde a revolução local, entrando na fase mais radical em 1917, reconheceu a sua afinidade com a Rússia Revolucionária: Marx e Lenine tornaram-se seus ícones, juntamente com Montezuma, Emiliano Zapata e vários trabalhadores índios, e ainda podem ser vistos nos murais dos seus artistas oficiais. Poucos meses depois Roy estava em Moscovo, e desempenhou um papel importante na formação da nova política da Internacional para as colónias. Em parte graças a socialistas holandeses residentes, como Henk Snevliet, a Revolução de Outubro deixou a sua marca na principal organização de massa do movimento de libertação nacional indonésio, o Sarekat Islam. «Esta acção do povo russo», disse um jornal de província turco, «ainda um dia no futuro se tornará um sol e iluminará toda a humanidade». No interior distante da Austrália, os rudes tosquiadores de ovelhas (em grande parte católicos irlandeses), sem interesse perceptível por teoria política, aplaudiram os soviéticos como um Estado operário. Nos EUA os finlandeses, há muito a mais fortemente socialista das comunidade imigrantes, converteram-se em massa ao comunismo, enchendo as sombrias povoações mineiras em Minesota de comícios «onde a menção do nome de Lenine fazia pulsar o coração […] Em místico silêncio, quase em êxtase religioso, nós admirávamos tudo o que vinha da Rússia». Em suma, a Revolução de Outubro foi universalmente reconhecida como um acontecimento que abalou o mundo.

P.S. Imgens do filme Outubro, de Eisenstein

segunda-feira, novembro 05, 2007

Dong/the Hole


Um filme de Tsai Ming-Liang

Indispensável?

Agora foi a vez de David Justino, assessor do Presidente da República para os assuntos sociais, vir a terreiro criticar a ministra Maria de Lurdes Rodrigues por causa do tão famigerado Estatuto do Aluno.

A discussão continua no entanto centrada no que o aludido estatuto deverá ou não conter, imperando o consenso quanto à necessidade da existência de um documento desta natureza, ou seja, criado por uma qualquer comissão de sábios, a partir de cima e generalizado a todas escolas, independentemente das eventuais singularidades destas. Eu, pela minha parte, não estou assim tão certo de que seja mesmo necessário haver um estatuto geral do aluno...Por que não deixar às escolas a regulação das faltas, dos direitos e deveres dos alunos? De onde vem esta obsessão de codificar até ao mínimo detalhe a realidade circundante?

Sinto que a educação enferma de uma espécie de despotismo iluminado, incansáveis comissões de especialistas a produzir documentos e mais documentos, que depois são transformados em normativos por obra dos governos; de esquerda e de direita. O que sobra em produção teórica, científica se quiserem, falta em bom senso. Sim, é uma questão de bom senso dar voz a quem está no terreno, aos professores, às famílias, lato senso, à comunidade. Não que a descentralização seja a panaceia para todos os problemas do nosso ensino, mas poderia ajudar a melhor gerir alguns.

Isto não significa querer pôr de parte os contributos dos profissionais das ciências da educação, mas apenas não fazer da escola um campo de experimentação, para onde são vertidas as últimas modas/ descobertas do campo da pedagogia. Mesmo uma boa de teoria científica, devidamente escrutinada pelos seus pares, pode ter resultados perversos, se aplicada rápida e indiscriminadamente ao meio escolar. E sabemos bem que à boleia de uma boa teoria não raro vem também muito ideologia; de resultados perniciosos.

A escola tem de ser preservada, necessita de um corpo de regras estável, breve, de tempo para absorver a mudança. Não é razoável esta urgência de querer logo transpor para a escola os últimos desenvolvimentos das ciências pedagógicas. Até por força dos problemas sociais que a ela afluem, em tempo de generalização do ensino.

sábado, novembro 03, 2007

A Ministra e as faltas


“Ir ou não às aulas não deve ser relevante para a avaliação dos alunos. Maria de Lurdes Rodrigues foi ontem à RTP esclarecer que deve progredir na escola quem tiver notas positivas, independentemente da assiduidade”.

O Público dava assim conta das declarações (polémicas) da ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, entrevistada ontem pela RTP1.
A política desta ministra não é assim tão diferente da dos seus antecessores, não há com efeito grandes rupturas a assinalar. O mesmo para a questão das faltas, que antes se inscreve num contínuo ao longo das últimas quase duas décadas e cuja origem podemos remontar ao consulado cavaquista, ao então ministro da Educação Roberto Carneiro.
O que Maria de Lurdes Rodrigues veio propor é que deixe de haver distinção entre faltas justificadas e injustificadas. No resto, nada de verdadeiramente novo acrescentou. Porque dizer que um aluno não deve ficar “retido” (para empregar a deliciosa novilíngua dos especialistas da educação) por causa do número de faltas que vier a dar, é tão-só fazer a defesa do que já existe ou está instituído. Assenta na crença de que o princípio da universalidade, ou da escola inclusiva, ficará maculado, se os alunos forem excluídos do ano lectivo em curso por excederem um determinado número de faltas. Esta crença não é só da Ministra Maria de Lurdes Rodrigues, é ao invés partilhada por muita gente, num universo que vai dos teóricos das ciências da educação aos ministros que no passado assumiram esta pasta; atravessa tanto a esquerda como a direita, pelo menos no que foi a praxis dos governos do PS e do PSD.
Mas, no plano do simbólico, talvez o caso de Maria de Lurdes Rodrigues se distinga dos demais: é que a ministra iniciou o seu consulado lançando farpas aos professores, precisamente por causa do absentismo que, dizia, afectava esta classe profissional. E agora acaba a desvalorizar a importância das faltas cometidas pelos alunos. É caso para nos interrogarmos sobre que tipo de mensagem quer a ministra passar para a sociedade em geral, e muito em particular para os pais e os alunos.