quarta-feira, novembro 26, 2008

Vistos

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"Arte de Roubar"
Um excelente entretenimento filmado em Portugal, com o ritmo que normalmente os realizadores portugueses recusam imprimir aos seus filmes maioritariamente pastosos. Quem se tiver deliciado com as últimas aventuras cinematográficas de Tarantino, vai certamente encontrar paralelos neste filme.
A ver, sem dúvida.

"Reviver o Passado em Brideshead"
Evelyn Waugh é um dos meus favoritos, um autor brilhante nas suas histórias de uma certa sociedade inglesa. Um filme que parte de uma das suas obras, começa com uma distinta vantagem sobre qualquer outro. Este tem a particularidade de ser forçosamente comparado a uma das mais fantásticas séries que alguma vez passou pela televisão. Os jovens actores que nele entram tinham a fasquia bem lá em cima, por comparação com o elenco da série dos anos 80.
Pode-se dizer que a prova é superada. Bem interpretado, com aproveitamento dos espaços por onde Evelyn Waugh fez passar as suas personagens.
Sendo pena o número reduzido de salas onde está disponível, vale a busca daquela que seja mais adequada a apreciar toda a beleza do filme.
Imperdível.
Mas, enfim, eu sou altamente parcial em tudo o que diz respeito a Waugh...

Leituras sobre Carris



Anarchy, State And Utopia - Robert Nozick
e
Boas Maneiras Modernas - Manual de etiqueta para grunhos - P.J. O'Rourke

Conversa da Treta

Ou as sábias palavras de Miguel de Portas:

"...ao longo da semana, comentadores, ex-reitores e pós-especialistas desdobraram-se em apelos ao diálogo pelos vários canais televisivos. Maria de Lurdes Rodrigues não fica muito bem na fotografia, mas os professores, suspeitos de não quererem ser avaliados, também não. O que se propaga é a ideia de que é possível “um justo meio” para resolver o presente conflito. Como seria o dito cujo, a partir da situação que está criada, é que ninguém explica. É muito mais fácil fazer de analista.
Este tipo de conversa tem um só objectivo: separar os professores da população, instaurando um princípio de dúvida razoável sobre as verdadeiras intenções dos docentes. É aqui que se exige sabedoria aos que ensinam. O regresso à mesa das negociações só pode nascer da suspensão do actual processo ou da sua inviabilização prática. Se os professores não forem acossados pelo medo, é óbvio que ganham. O Magalhães ainda não se lhes pode substituir. Mas é decisivo explicar aos pais o que está em causa: que esta é uma luta pelo direito dos alunos a uma escola com professores dedicados e dignificados."
Miguel Portas, in Sem Muros.

segunda-feira, novembro 24, 2008

Mosfilm - Life























Moscovo- URSS, fotografia de Dmitri Kessel.

A Imaculada Reforma

Reforma é a palavra que ocupa o centro do debate político na sociedade portuguesa. É inseparável deste país que é o nosso.
A reforma separa as águas: de um lado, temos os beneméritos promotores da mudança, do outro, a ímpia legião de privilegiados, vulgo, corporações e sindicatos.
Assim, toda a crítica é desvirtuada de sentido, porque deslocada das políticas; dito de outro modo, das reformas concretas.
Estamos, pois, perante uma imaculada reforma, boa por natureza, a que só mentes pouco sãs ou néscias se podem opor. A exemplo, se um professor se opõe à reforma da ministra Maria de Lurdes Rodrigues, é porque não quer ser avaliado ou perder outra sorte de privilégios. E tanto pior se ainda por cima for sindicalista, essa espécie de novos párias. Porque o que está em causa não é a reforma da ministra Lurdes Rodrigues, mas sim a ideia transcendente de reforma que se confunde com o bem.

É este o prodigioso mundo fabricado pela (eficaz) propaganda governamental, que alastrou à generalidade dos media de um país muito pouco dado ao exercício da crítica ou do escrutínio público. E cativo do lastro de servidão voluntária que faz com que, salvo raras excepções, directores e editores de órgãos de imprensa escrita, rádios e televisões escolham estar de bem com o poder.
Mas este mundo começou a abrir pequenas brechas. Talvez por não ser possível suspender a realidade ad eternum. Mas também por acção de muitos professores, que usaram a blogosfera para quebrar o monopólio do discurso da propaganda. Alguns blogues de professores afirmaram-se no espaço público (pelo número impressionante de visitas diárias) e a maré deixou de ser tão favorável ao governo.

sábado, novembro 22, 2008

Gavin Watson, uma outra foto























Mais sobre Gavin Watson aqui.

Gavin Watson






















Gavin Watson

Doc Martens
















Without the Doc Marten there would be no skinheads
, says Watson.

There were even "Didi Docs" for children.
When the culture had its second wave in the late 70s, the boots became longer, almost up to the knee.

Gavin Watson

terça-feira, novembro 18, 2008

Matinee Orchestra


O álbum Matinee Orchestra, projecto musical de Andrew Hodson, foi amor à primeira vista.
É um objecto sonoro delicado e encantatório, vagueando algures entre a Visginia Astheley, de From gardens where we feel secure, e os Peguin Cafe Orchestra, embora por vezes os metais nos façam lembrar a prodigiosa Orchester 33 ¹/3, que tinha K. Fenneez entre os seus mentores. Um álbum para descobrir no aconchego do lar e para nos fazer sonhar com Sábados à tarde feitos de promenades ou piqueniques.

segunda-feira, novembro 17, 2008

Isto não tarda vai dar merda da grossa

Esta notícia do Setubalense é evidência bastante do caminho que leva a Justiça (aquilo que devia ser o "core business" do Estado). Começa a ser pertinente a discussão sobre a liberdade de porte de armas e as circunstâncias em que um cidadão pode delas fazer uso.
Correndo o risco de me repetir, tenho cada vez mais presentes as palavras e ideias de John Locke.

domingo, novembro 16, 2008

Da Arrogância















Porque quem julga que é o único que pensa bem, ou que tem uma língua ou um espírito como mais ninguém, esse, quando posto a nu, vê-se que é oco.
In Antígona

Da arte de bem governar

Impressões sobre a arte de governar, e em pano de fundo o conflito entre o governo e os professores.
A arte de bem governar é a arte de ajuizar correctamente os interesses das partes em causa ou em conflito numa dada situação, cujo significado último é político, e de tomar decisões em função dessa ponderação. Sem nunca perder de vista o interesse geral (no caso da educação, trata-se de melhorar a qualidade do ensino).
A arte de bem governar não é, em abstracto, o cerrar de fileiras em torno de uma medida inicial, indiferente aos seus impactes ou consequências não esperadas. Se o modelo de avaliação degenerou num monstro burocrático, então é de bom-tom parar para meditar no que correu mal. Não é politicamente honesto assacar a culpa às escolas, se a generalidade dos seus professores não consegue aplicar o modelo senão de forma burocrática e pesada. Quando assim é, algo correu mal na origem, ou seja, no desenho do modelo de avaliação que o ME pretende aplicar uniformemente a todas as escolas do país. É pois um caso em que a origem do problema está no emissor, e não receptor.
Portanto, parar seria um acto de bom senso. Ceder, quando a outra parte está total ou parcialmente investida de razão, não é acto de fraqueza, mas tão-só de amadurecimento. Para mim, a arte de bem governar em democracia é indissociável disso. Mas quando os principais agentes do governo (primeiro-ministro e ministra da Educação) confundem cegueira e teimosia com firmeza de carácter, quando temem vir a ser apelidados de fracos pela medíocre legião de comentadores que colonizou o espaço de opinião, nas rádios, jornais e televisões, então é de esperar o pior: a espiral de depreciação da escola pública. E com isso é o país que perde.

sexta-feira, novembro 14, 2008

Hector Zazou


Imagens de Hector Zazou na Índia, durante gravação do álbum House of Mirrors. Infelizmente, um álbum póstumo.
Reúne músicos de várias latitudes, como sempre em Zazou. Zazou deixou-nos, mas a sua música continuará entre nós, a celebrar a riqueza e a pluralidade do nosso mundo. A estabelecer pontes entre mundos e tempos distantes. Entre a modernidade e a tradição.

quinta-feira, novembro 13, 2008

O testemunho

De um professor de Portimão:

Que o novo modelo de avaliação é inútil e ineficaz já o provou definitivamente, sem o querer, a senhora ministra. Diz ela repetidamente que esta avaliação é absolutamente necessária para a qualidade do ensino e para a melhoria dos resultados. Porém, anunciou com grande pompa ao país que os resultados melhoraram no último ano, o que acabou por ser reforçado com a divulgação dos resultados dos exames nacionais. Só que esta apregoada melhoria da qualidade e dos resultados verificou-se ainda antes de o modelo de avaliação produzir qualquer efeito. Logo, fica provado que a avaliação não é uma condição necessária para a melhoria da qualidade e dos resultados. O que leva então a ministra a dizer que a avaliação é absolutamente necessária?

Os responsáveis pelo actual ministério da educação parecem, talvez inconscientemente, querer pôr em prática o cenário tenebroso descrito por George Orwell em "Mil Novecentos e Oitenta e Quatro", em que a catadupa de despachos, decretos regulamentares, documentos orientadores, ordens de serviço, instruções superiores, recomendações, etc., frequentemente incoerentes – vale a pena dizer que acumulo em casa mais de mil fotocópias sobre avaliação, que me foram entregues na escola –, são a tradução quase literal do "Big Brother is watching you" da 5 de Outubro. A obsessão do ministério por controlar tudo e todos até ao mais pequeno detalhe está bem patente no modelo de fichas de avaliação que impõe às escolas e aos professores (parece que a ideia é a de que, entre tanta coisa pedagogicamente inane, sempre há-de haver uns quantos aspectos em que o avaliado vai falhar, de modo a não atrapalhar as escassas cotas disponíveis para progressão na carreira). E o mais irónico é que, quando se encontram incoerências e impasses nas instruções oriundas do ministério, a ministra deixa o problema para as próprias escolas com o argumento de que lhes quer dar autonomia na construção dos seus instrumentos de avaliação. Não é, pois, surpreendente que os professores se sintam desorientados, cansados, chantageados e até insultados. Isso acaba naturalmente por se reflectir na sua prática lectiva e os alunos notam bem a diferença quando o professor dá as aulas cansado.

Mas o pior de tudo é que o modelo de avaliação fabricado na 5 de Outubro não vai permitir distinguir os bons dos maus professores, ao contrário do que a senhora ministra alega. Talvez seja até pior do que a completa ausência de avaliação, premiando arbitrariamente alguns dos maus e castigando cegamente muitos dos bons. Se assim não fosse, que razões teriam os bons professores que desfilaram na manifestação de sábado para lá estarem? Ou será que os mais de cem mil são todos maus ou simplesmente estúpidos? Os professores sentem-se compreensivelmente ameaçados porque o modelo, além de burocrático, como convém ao Big Brother, obedece a uma espécie de pensamento único pedagógico: há um dogma pedagógico subjacente a que todos têm de aderir, tal como se emanasse do Ministério da Verdade orwelliano. Esse dogma é o da pedagogia do eduquês: são os resultados a qualquer preço, é a inovação a martelo, são as “estratégias de ensino-aprendizagem” como se o professor fosse o aprendiz (também o é, mas noutro sentido). Enfim, é a avaliação do portfólio e dossiê do professor para ver se ele tem o seu caderno diário em ordem, infantilizando uma actividade em que, pelo contrário, se exige autonomia e auto-confiança.

Aires Almeida, In Público

terça-feira, novembro 11, 2008

Angola: 33 anos de independência


Lembrar a independência de Angola. Lembrar o grande jornalista Ryszard Kapuscinki, que cobriu os dramáticos acontecimentos de 1975.
Pela sua escrita, sentimos o pulsar desses dias. O esmorecer da Luanda colonial e o difícil parto de uma nova nação. Por entre portugueses e angolanos. Portugueses que ficam, até que o presente se esgote, e angolanos, do MPLA, que abraçam generosamente o futuro. Este livro de Kapiscinski é um must:

Gradualmente, noite após noite, a cidade de pedra transferiu o seu valor para a cidade de madeira. Gradualmente, também, as pessoas alteraram a sua estimativa da cidade de pedra. Deixaram de pensar em termos de casas e apartamentos e falavam somente de caixões. Em vez de dizerem: - Tenho de ir ver o que tenho em casa – diziam: - Tenho que ir passar revista ao meu caixote. Nesta altura, era a única coisa que lhes interessava, a única coisa com que se preocupavam. A Luanda que iam deixar tinha-se transformado num estranho e tenso cenário, vazio porque o espectáculo tinha terminado.
Nunca vira uma cidade assim em nenhuma parte do mundo e talvez não volte a ver nada que se assemelhe. Existiu durante meses e, de súbito, começou a desaparecer. Ou melhor, bairro após bairro foi levada de camião para o porto. Agora, espalhava-se à beira-mar, iluminada à noite pelas lanternas do porto e o clarão das luzes dos navios ancorados.

[…]

Mesmo assim, consegui ver a cidade a fazer-se ao largo. De madrugada, estava ainda a baloiçar-se à distância, amontoada de forma confusa, desabitada, sem vida, como que transformada magicamente numa peça de museu de uma antiga cidade do Oriente depois de sair o último grupo de turistas. A essa hora, estava nevoeiro e fazia frio. Deixei-me ficar na praia, com alguns soldados angolano e uma pequena multidão de crianças negras maltrapilhas e enregeladas.
- Tiraram-nos tudo – disse um dos soldados sem azedume, e voltou-se para cortar um ananás, porque esse fruto, tão maduro que, quando se cortava, o sumo lhe escorria como a água de um copo, era o então o nosso único alimento.
- Tiraram-nos tudo – repetiu ele, e enterrou o rosto na taça dourada do fruto. As crianças sem abrigo do porto fitavam-no com olhares ávidos e fascinados. O soldado ergueu a face suja do sumo, sorriu e acrescentou:
- Mas, de qualquer maneira, agora temos um lar. Deixaram-nos o que é nosso.

In Mais Um Dia de Vida - Angola 1975.

O que eles mereciam era uma boa avaliação

Ainda a propósito da manifestação dos professores, e como era de prever, os serviçais do governo, os arautos da avaliação rapidamente e em força, lá apareceram nos blogues de maior difusão com a cassete do costume, anatemizando toda uma classe profissional. Para essa gente, os professores não passam de um bando de preguiçosos privilegiados, entre outras faltas talvez mais graves, como a de ser sindicalista ou comunista.

Tais comentários são reveladores do maniqueísmo e da intolerância que grassam nas fileiras socialistas. É o discurso oficial do governo sim, mas em estado bruto, desprovido das subtilezas que encontramos em Sócrates e nos publicistas de serviço. Bem, a entrevista da ministra aproximou-se perigosamente dos comentários desta gente.

O primarismo deles é uma coisa por demais. Coitados, vivem do ódio aos professores, o que não deixa de ter propriedades terapêuticas. Nada como um bom ódio de estimação para nos aliviar as frustrações, algo que qualquer manual de psicologia explicará. 

Estaremos nós na presença  desses génios que povoam os gabinetes da 5 de Outubro? Ou tão-só de moços de recados de uma qualquer assessoria governamental? Os nossos  homens (e talvez mulheres) bem se tem desdobrado em comentários feitos de  arrogância moral, num tom deveras intimidatório.

Confesso que esta gente me provoca arrepios, sobretudo se os imaginarmos nos corredores do poder. Pequenos Torquemadas deste nosso  podre reino. O que eles mereciam era uma boa avaliação ;)

Luís Marvão

segunda-feira, novembro 10, 2008

Os professores, a revolta e a servidão voluntária

A grande manifestação dos professores levou-me a este texto do filósofo José Gil, que nos fala da domesticação da sociedade; das lógicas da obediência e da servidão.
Os professores revoltaram-se contra o insuportável peso de uma burocracia que vem desvirtuando essa nobre, e não há muito tempo ainda prestigiada, profissão que é a de ensinar. Ao atentar contra a função simbólica de ensinar, o Ministério da Educação atinge a escola pública, cujos resultados, ao longo destes mais de trinta anos de democracia, são assaz louváveis, não obstante o discurso catastrofista, dos publicistas do governo, nos fazer crer no contrário. É o discurso do aviltamento a preparar o terreno para a obediência. Num tempo de tecnocracias, nada como dar a palavra ao filósofo:

Um grupo social tornou-se emblemático desta conjuntura: o dos professores.
A sua situação não mudou. Justificaria ainda a saída à rua de 100.000 pessoas. Mas, precisamente, uma tal manifestação seria hoje impensável. O governo e o ME ganharam. Os espíritos estão parcialmente domados. Quebrou-se-lhes a espinha, juntando ao desespero anterior um desespero maior. O ambiente das escolas é agora de ansiedade, com a corrida ao cumprimento das centenas de regulamentações que desabam todos os dias do Ministério para os docentes lerem, interpretarem e aplicarem. Uma burocracia inimaginável devora as horas dos professores, em aflição constante para a conciliar com uma vida privada cada vez mais residual e mesmo com a preparação das lições, em desnorte com as novas normas (tal professor de filosofia a dar aulas de «baby sitting» em cursos profissionalizantes) – tudo isto sobre a ameaça de despromoção e do resultado da avaliação que pode terminar no desemprego.
Como foi isto possível? Como foi possível passar da contestação à obediência, da revolta à «servidão volunttária» como lhe chamava La Boétie?

José Gil, in Visão, 2 de Outubro.

José Gil errou ao julgar “impensável” a reedição da manifestação dos professores, e por números que excedem a primeira. Mas se tivermos em conta esse diagnóstico do dia-a-dia burocrático que Gil tão bem retratou, então só temos de considerar extraordinária a capacidade de mobilização de que os professores deram provas. Resta saber se os professores conseguirão vencer este combate. Que é também o de todos os que acreditam na escola pública.

quarta-feira, novembro 05, 2008

Júbilo pelo mundo fora. Ou Barack Hussein Obama e a globalização

"What an inspiration. He is the first truly global U.S. president the world has ever had," Pracha Kanjananont, a 29-year-old Thai sitting at a Starbucks in Bangkok, told The Associated Press.

"He had an Asian childhood, African parentage and has a Middle Eastern name. He is a truly global president."

In CNN

Barack Obama. A presidência e o sonho.

Acompanhei as eleições americanas até, sensivelmente, às 2.30 horas da manhã, altura em que a prudente CNN avançou com a projecção da vitória de Obama no Ohio, estado barómetro para os republicano. Aí não tive qualquer dúvida de que a eleição presidencial ia tombar para o lado de Barack Obama. Mas já antes, pequenos sinais indiciavam estarmos perante um dia (melhor dizendo, uma noite)histórico. As sondagens à bocas das urnas iam confirmando a economia como preocupação cimeira dos eleitores, enquanto o terrorismo era relegado para plano secundário (entre os que colocavam o terrorismo no topo das suas preocupações, a preferência por McCain era clara, rondando os oitenta por cento); o Indiana era agora um mapa a duas cores, o azul perturbando o vermelho dominante de há quatro anos, imagem do recuo da hegemonia republicana.

Vitória assaz expressiva a de Barcack Obama, 338 delegados eleitos para o colégio eleitoral que designará o 44.º presidente dos Estados Unidos, o voto popular de mais de 62 milhões americanos; triunfos em bastiões republicanos, como a Virgínia ou o Indiana.

Vitória com um significado especial para os afro-americanos: há pouco mais de cinquenta anos, o seu quotidiano era feito de segregação racial, há século e meio atrás, ainda a escravidão marcava pesadamente as sua vidas. Hoje, um dos seus chegou ao mais alto cargo da nação. Barack Obama é assim um digno herdeiro de Martin Luther King. O sonho deste vive em Obama.


P.S.Extraordinária a participação dos americanos, assim como justo castigo aplicado às (criminosas) política de George W. Bush.

Luís Marvão

segunda-feira, novembro 03, 2008

Consagração?


A ver vamos se terça-feira é mesmo a consagração de Barack Obama, que soube gerir com mestria todas as incidências desta dura campanha.

Bom orador, inteligente e seguro nos debates, podemos dizer que Barack Obama não deu um passo em falso ao longo da corrida eleitoral. McCain e a sua "vice", Sarah Palin, pouco mais tiveram do que as tradicionais questões dos impostos e do governo federal; do que as alusões à natureza socialista do candidato democrata que quer subtrair a riqueza aos americanos para "a distribuir ou espalhar por aí"; que quer impor médicos às famílias americanas, restringindo a liberdade de escolha destas.

McCain não era suficientemente conservador, isso mesmo foi dito numa entrevista pelo presidente George W. Bush, logo após a nomeação daquele. Para suprir esse défice, McCain escolheu para "vice-presidente" uma mulher de perfil conservador, uma mãe de família profundamente anti-aborto, enfim, alguém capaz de arrebatar a direita religiosa do Partido Republicano. Parecia ser uma jogada de fino recorte político, atendendo ao fenómeno Palin então gerado, mas a crise financeira veio alterar os dados da equação. Aparentemente, McCain viu fugir-lhe parte não despicienda dos republicanos moderados e não logrou penetrar no eleitorado independente.

Barack Obama, um homem de esquerda (é ver o seu plano de saúde, ou a veemente denúncia do iníquo sistema fiscal de Bush, que ao invés de gerar riqueza agravou as injustiças), parece pois ter caminho aberto para a Casa Branca.
Mas é recomendável alguma prudência: um olhar atento às sondagens em vários estados, que poderão vir a ser decisivos, revela um estreitar das distâncias entre os candidatos, com McCain a recuperar na Virgínia, na Florida e no Missouri, e aproximar-se perigosamente na Pensilvânia. Em todos estes estados, as diferenças reveladas pelas sondagens permanecem dentro da margem de erro. Se Barack perder nestes e não lograr vencer no Ohio, a sua vitória poderá ficar seriamente comprometida. Por outro lado, importa lembrar que nas primárias democratas Hilary Clinton arrecadou por regra a maioria do voto dos indecisos. As sondagens acabaram então por sobrestimar o voto em Obama (não poderá estar aqui o célebre efeito Bradley?). Portanto, é necessário ter cuidado na antecipação da vitória de Obama. Mas se Barack lograr vencer, então um sopro de optimismo percorrerá o mundo. Pelo menos, terá o efeito de um bom antidepressivo. E a consagração de um candidato negro será, sem sombra de dúvida, uma grande vitória da sociedade americana.

Um banco muito português

O Banco Português de Negócios, entretanto nacionalizado, foi mais uma criação a partir de cima, para ser mais preciso, foi obra do estreito círculo da governação do Prof. Cavaco e Silva. Breve, de filiação PSD.

Dizem-nos agora que os males deste banco eram bem anteriores ao deflagrar da crise financeira, que auditorias passadas tinham feito eco disso, que o sistema bancário bancário português era sólido... Mas e o que dizer da supervisão do Banco de Portugal, a ser verdade que tudo se resumia à crónica de uma morte anunciada? Como pode Vítor Constâncio dizer-se surpreendido com as nebulosas operações deste banco? Ou garantir-nos que tais práticas não alastraram a outras instituições financeiras da nossa praça? Penso que o Governador do Banco de Portugal não sai muito bem desta história, o que não é assim tão surpreendente, se nos lembrarmos do caso BCP.


Também não me parece ser a mais correcta, a forma como o Governador de Portugal se tem dirigido ao comum dos cidadãos, crítica extensível ao ministro das finanças e ao próprio primeiro-ministro. Porque uma coisa é não querer causar o pânico, outra bem distinta é embarcar num discurso feito de optimismo à margem da realidade presente. Haveria espaço para um discurso diferente, responsável, algures entre os dois pólos, não fosse a cultura paternalista que entre nós grassa.

Mais grave do que a deficiente supervisão, as ilegalidades que se suspeita terem sido cometidas no seio deste banco. Será uma questão talvez para os tribunais. Mas atendendo ao risível (e labiríntico) sistema de justiça que é o nosso, não é de crer que muito venha a ser apurado.

(post de Luís Marvão)