sexta-feira, junho 29, 2007

O sonho palestiniano ameaçado

Devia ainda notar-se que o mundo árabe está em muitos maus lençóis. Todos os seus governantes sem excepção são tirânicos e anti-democráticos. Não há democracia: Os árabes estão a pagar o pior dos preços de tudo isso. Esse preço não está a ser pago pelos Estados Unidos. Está a ser cobrado aos árabes cuja situação geral – quer em termos de saúde ou educação, transportes ou meio ambiente – tem vindo a piorar inexoravelmente ao longo dos últimos anos, nunca de modo mais acelerado do que a partir do momento em que o processo de paz teve início, nos começos da década de 1990. E penso que tudo isto pode explicar porque é que a Palestina se tornou uma espécie de catalisador da opinião árabe a nível mundial. Nela está representada a injustiça do governante contra o governado – quer se trate dos israelitas que governam os palestinianos ou dos palestinianos que governam palestinianos, usando a Autoridade Palestiniana contra cidadãos palestinianos, em territórios ocupados por Israel…
Edward Said, entrevistado por David Barsamian, 9 Novembro de 2000. In Cultura e Resistência.

As palavras de Edward Said não sofreram, infelizmente, a erosão do tempo. Ao invés, permanecem plenas de actualidade; na narração da triste sorte da maioria das nações árabes, mergulhadas no mau governo e no despotismo; no que já deixavam prenunciar, sobre a desgraça que entretanto se abateu sobre a Palestina, agora cindida em duas unidades político-territoriais. Oslo desembocou no desespero, e o sonho da autodeterminação palestiniana ameaça ser submergido pela luta sectária. Certamente que, para a materialização do mais pessimista dos cenários (bem, os optimistas dirão sempre que podia ser pior), cabem culpas aos palestinianos, nomeadamente os erros de governação de uma Fatah cada vez mais atolada na corrupção e no banditismo e que fez do Hamas a alternativa política aos olhos de tantos e tantos cidadãos palestinianos. Mas não podemos esquecer a destruição das instituições que davam corpo à Autoridade Palestiniana, levada a cabo pelo consulado de Ariel Sharon, por exemplo, os bombardeamentos que praticamente reduziram a cinzas as instalações dos principais ministérios, como o da Educação, do Planeamento ou até o Instituto de Estatística, e que na prática levaram à decomposição do frágil edifício político palestiniano. Do vazio do poder assim criado (com parte das forças de segurança da AP a engrossarem o mundo do crime, como se viu em Gaza), emergiu o Hamas, que acabou legitimado em eleições democráticas. Europeus e Americanos depressa decretaram sanções ao recém-eleito governo islamista; gesto precipitado, porque fragilizou ainda mais instituições da AP, tornando cada vez mais penosa a vida dos palestinianos. Além disso, inviabilizou qualquer processo de aggiornamento dos governantes do Hamas, reféns da ala mais irredutível.
Evidentemente que a estabilidade não podia brotar de um tal clima político, cujo resultado mais imediato foi o que se viu em Gaza, de onde quase desapareceram os vestígios da Fatah e o Hamas é hoje lei (ao que parece, respira-se agora, nessa depauperada faixa costeira, mais segurança, a avaliar por uma reportagem muito interessante do jornal PÚBLICO). Preparam-se os putativos líderes do Ocidente e da Comunidade Internacional para criar um cordão sanitário em torno de Gaza e levantar as sanções à Cisjordânia, sob controlo da Fatah. É persistir no erro, é a receita para o desastre!

quinta-feira, junho 28, 2007

Da América


Os Jovens americanos estão a virar à esquerda, é pelo menos o que revela uma sondagem do Nytimes e da CBS.
Da aspiração a um serviço nacional de saúde a expensas do estado (como é prática na nossa Europa), até a uma política de abertura à imigração, passando pelos casamentos gays.

quarta-feira, junho 27, 2007

O que faz falta é multar a malta

Marina Ferreira, presidente da Comissão Administrativa da CMLisboa, citada no Meia Hora, a propósito do atraso em obter a concordância da Comissão Nacional de Protecção de Dados Electrónicos para que os radares, que foram espalhados pela cidade, em Janeiro, comecem a funcionar (meu destaque):
"Está tudo legal e certificado; a Polícia Municipal preparada; o equipamento informático a funcionar; só falta começar a multar os automobilistas."
Realmente, não se compreende este atraso. Para mais, num munícipio tão carenciado de receitas.

Da Rússia. Animação


Hedgehog in the Fog-Yuriy Norshteyn (1975)

P.S. Uma modesta homenagem ao Vasco Granja.

Da Rússia

terça-feira, junho 26, 2007

Estado servil

Não vou discutir os méritos da Colecção Berardo, mas todo o processo que tornou o Centro Cultural de Belém cativo da referida colecção foi profundamente humilhante para o Estado português. Fica a imagem de um Estado servil diante dos poderosos, incapaz de cuidar do interesse próprio.
Joe Berardo, durante este processo, não escondeu o desprezo a que vota os principais actores da política cultural lusa, incluído a ministra Isabel Pires de Lima, a quem Sócrates impôs as condições do sr. comendador. Foi de facto uma jogada de mestre: agita-se o espectro da deslocalização de uma rica colecção de arte, por força disso muito cobiçada além-fronteiras, e logo acorre o nosso primeiro-ministro, qual salvador do interesse pátrio!
Temos assim o Centro Cultural de Belém transformado em casa do Museu de Arte Moderna e Contemporânea Colecção Berardo, sem capacidade para albergar outras exposições que não esta, de carácter permanente; o Estado português (que por norma é avaro quando se trata de afectar verbas à Cultura; vide o caso do Museu do Chiado) a abrir os cordões à bolsa. E Berardo com as rédeas da fundação (já hoje o triste episódio da demissão de Mega Ferreira)
Ridículo foi assistir às declarações de José Sócrates, ontem na cerimónia de inauguração, dizendo que este museu punha o país nos roteiros da arte contemporânea. Como se fôssemos um qualquer deserto terceiro-mundista. Como se nada tivesse existido antes. Como se não houvesse Serralves.

segunda-feira, junho 25, 2007

Da ausência de oposição

Da ausência de oposição resulta o despotismo na política e a monotonia nos prazeres.
Charles Fourier, in O Novo Mundo Amoroso

Leituras sobre carris


Sobre a Liberdade - John Stuart Mill

Ou na net, em inglês:"On Liberty".

Mudar para que tudo fique na mesma

A ser verdade o que vem no Le Monde, o tratado Europeu permanece fiel ao anterior texto constitucional, só que expurgado da sua simbologia.
Assim, os líderes europeus, deixaram cair o termo “constituição”, no novo tratado, que não comporta as referências identitárias da União; não faz alusão à bandeira das doze estrelas, ao hino ou à moeda europeia.
É interessante que tenham também deixado cair alusão à livre concorrência (aqui Sarkozy deu mote, pois durante a campanha para as eleições presidenciais tinha deixado bem claro haver limites tal primado).


Ce qui disparaît, par rapport au texte de la Constitution rejetée en France et aux Pays-Bas :

· Le terme de Constitution.
· La référence aux symboles, même si ceux-ci continuent d'exister : le drapeau aux douze étoiles, l'hymne (l'Ode à la joie), la devise ("L'Union dans la diversité"), et la mention "La monnaie de l'Union est l'euro".
· La partie III du traité constitutionnel fixant les politiques et le fonctionnement de l'Union. Ses articles, portant sur le marché intérieur, la concurrence, l'agriculture, l'Union monétaire, la coopération judiciaire et policière, etc., retrouvent leur place dans les traités existants, que la Constitution devait
remplacer.

Mas em tudo o mais o Tratado é feito de permanências, pelo que não se vê como poderão ser evitadas as pulsões referendárias na Europa.
Entre nós, os do costume, apressaram-se a dizer que é prematuro referendar algo que de todo não conhecemos os contornos. Bem, pergunto então para que servem as campanhas, senão para ajudar os cidadãos a formarem o seu julgamento e a decidirem em conformidade. O referendo teria ao menos o mérito de nos pôr a discutir a Europa, num país em que o seu significado se resume quase só aos fundos estruturais; e em que o discurso oficioso domina o espaço público.
Mas se não tivermos referendo, isso também não nos deverá surpreender muito. Afinal, parece que o não cumprimento das promessas eleitorais está inscrito no código genético dos socialistas que nos governam.

It's called Love

TO the beloved and deplored memory of her who was the inspirer, and in part the author, of all that is best in my writings- the friend and wife whose exalted sense of truth and right was my strongest incitement, and whose approbation was my chief reward- I dedicate this volume. Like all that I have written for many years, it belongs as much to her as to me; but the work as it stands has had, in a very insufficient degree, the inestimable advantage of her revision; some of the most important portions having been reserved for a more careful re-examination, which they are now never destined to receive. Were I but capable of interpreting to the world one half the great thoughts and noble feelings which are buried in her grave, I should be the medium of a greater benefit to it, than is ever likely to arise from anything that I can write, unprompted and unassisted by her all but unrivalled wisdom.

John Stuart Mill, On Liberty.
Para Harriet.

sábado, junho 23, 2007

Pioneiros meninos

sexta-feira, junho 22, 2007

Jasmine Trinca

Moretti e Argento

Trânsito na Arrábida

Restabelecida a circulação Portinho-Creiro, que tinha sido proíbida (o que terá levado à primeira decisão?).
Via RSO:
Mantém-se, no entanto, a proibição de circular no sentido Creiro/Outão, para evitar os congestionamentos de tráfego, mas apenas entre as 9h00 e as 18h00 – anteriormente a medida vigorava até às 20h00. As bicicletas passam a poder circular livremente nos dois sentidos e aos motociclos será permitido fazer o percurso entre a praia da Figueirinha e o Outão.
(...)
Câmara, GNR e Estradas de Portugal acordaram ainda realizar um teste em Agosto, abrindo totalmente a circulação nos dois sentidos, sem aviso prévio aos automobilistas, para verificar como se comporta o trânsito.
Apesar do incómodo que significa o sentido único do trânsito, compensa os incómodos de tentar passar com carros a circular em sentido contrário e com estacionamento dos dois lados (4 carros em paralelo).
E sempre se aproveita para apreciar a paisagem lá do alto...

quinta-feira, junho 21, 2007

Kakitsubata - As Íris


Sexta-feira passada, fui assistir a uma peça de teatro Nô, integrada na programação do Estado do Mundo.
Foi para mim um desafio à experiência, algo difícil de descrever por palavras, uma visão de austeridade e beleza; que aqui são inseparáveis, não existindo uma sem a outra. A linguagem, essa, é a da dor da alma atormentada por um amor passado; portanto, universal.
Nada melhor do que transcrever parte do texto contido na brochura fornecida pela organização:
A base deste Nô é a História de Isei”: este homem, que viveu no século IX, deixou-nos o livro em que escreveu o poema japonês da flor da linda íris. O espírito da flor aparece e dança. Ele dança com a coroa e as roupas que lhe recordam a seu amor e que simbolizam a sua alma e a dela, e num só corpo reúnem-se três almas, juntando-se também a da flor. É esta a ideia geral da peça. A máscara Nô aqui utilizada é uma obra-prima do século XVI. A peça foi criada no século XV e ainda hoje é representada praticamente na forma original.

Ariwara Narihira, poeta e aristocrata e viajante, deixa-se fascinar pelo florir dos lírios. A beleza dos lírios convoca o passado (Dizem que as flores nunca se esquecem das estações enquanto as árvores não têm sentimentos), um amor trágico. A recordação anima o espírito da íris, que dança para o viajante e poeta.
Foi o que o vi e senti: uma dança de movimentos quase imperceptíveis e um canto feito de dor, em que mesmos os sons de uma flauta vagamente bucólica parecem querer lembrar esse tempo que passou. A saudade, diríamos nós, os portugueses.
Percebe-se que este é um teatro carregado de simbolismo, das cores que ornamentam as vestes e o leque do actor que encarna este espírito da natureza aos tambores que parecem pautar o ritmo do tempo, mas decifrar tais mistérios não é tarefa ao meu alcance. Deixo-me ficar com a beleza do que pertence à ordem do inviolável.
O teatro Nô data do século XIV, dizem os cronistas.

Lá pelas 3 da manhã, não há engarrafamentos em Lisboa

Não sendo munícipe lisboeta, não achei que valesse a pena perder grande tempo com o debate de ontem na SIC-N.
Ainda assim, a meio do habitual zapping, ainda ouvi o candidato do PCP, Ruben de Carvalho, descrevendo o quão fluído é o trânsito na madrugada de Lisboa.
Assim é, explicava, porque muitas centenas de milhares de carros, que diariamente chegam à capital, a essa hora estão parados noutras “bandas”.

O candidato esquece-se que isso significa também que Lisboa, assim que a noite assenta, se desertifica, mudando-se grande parte da sua população activa para os territórios limítrofes - por exemplo, para o Grande Vazio ao Sul.
A proposta que fez, recorrente nestes debates ao longo dos anos, passa por criar mais parques de estacionamento à volta de Lisboa. Ou seja, no território de outros concelhos.
Será que o candidato comunista equacionou também o contributo do orçamento lisboeta que vai afectar às obras em concelhos vizinhos? Ou achará ele que as suas boas ideias devem ser orçamentadas noutro lado?

Os candidatos, em vez de olharem para o sintoma (o Deserto da Madrugada Lisboeta), deviam procurar antes as causas do abandono populacional do seu concelho. Será que entre elas iriam encontrar causas ligadas ao estado moribundo do mercado de arrendamento, causado pelas leis que o regulamentam até à paralisia? Como compreender que certas zonas de Lisboa deixem de ser seguras ou de frequência recomendada a pacatos cidadãos, após o pôr do sol? Como justificar a existência de freguesias com menos habitantes que algumas aldeias recônditas do interior do país?
Será que têm algo a dizer sobre os inacreditáveis resultados negativos acumulados pelas empresas de transporte (estatais) de Lisboa e sobre o que siginficam em termos de alternativa de qualidade e quantidade? Sobre os subsídios que lhes são entregues?

Infelizmente, o candidato do PCP será bem secundado nas suas opiniões de que o que faz falta é mais e melhor intervenção municipal (com apelos à participação orçamental do estado central), como os habituais populismos histéricos de Sá Fernandes ou as propostas em defesa dos direitos sociais urbanísticos da bastonária corporativa dos arquitectos, Helena Roseta. Ou como António Costa a assobiar para o lado quando se fala na Portela, fazendo de conta que Lisboa será a mesma sem o aeroporto a meia dúzia de minutos do centro.

Para terminar, e um pouco off topic, ainda não ouvi o candidato do PSD dizer “minha cidade” ou “nossa cidade”. Espero que alguém lhe pergunte se fala de Lisboa ou de Setúbal. Mas, na habitualmente limitada pool de escolhas partidárias, isso não admire: lembram-se que Santana foi autarca na Figueira da Foz antes de o ser na capital? Parece que no PSD se pratica uma espécie de rotativismo geo-municipal.

Já colocado no Insurgente.

quarta-feira, junho 20, 2007

Lisboa em debate

No debate de ontem à noite, o que mais saltou à vista foi a vacuidade que é traço dominante no discurso de António Costa. Dele não se conhecem propostas, a não ser talvez o novo pulmão verde que, no dizer do vencedor anunciado desta contenda autárquica, irá substituir a exaurida Portela (enquanto isso, a Ota fica suspensa num limbo, pelo menos durante seis meses). Irrelevante em quase tudo, menos no apelo final a uma maioria clara que o poupe ao incómodo de negociar com a miríade de candidatos que aspiram a um lugar na vereação lisboeta.
Há um lastro de conformismo na democracia lusa, que ameaça fazer desta eleições uma espécie de repetição das últimas legislativas: à semelhança de José Sócrates, também as linhas programáticas da candidatura de António Costa são coisa de pouca importância, em face da crónica de uma vitória anunciada; porque tudo isto entronca em mais um desgoverno do PSD.
Assim, Costa nem precisa de programa, basta-lhe tão-só anunciar os notáveis que vão dando lustro (e votos) à sua candidatura, o último dos quais foi Maria José Nogueira Pinto.
Sobre os restantes candidatos, Ruben de Carvalho apareceu, como é seu apanágio, bem preparado; eficaz a denunciar os projectos governamentais que, à sombra da Administração do Porto de Lisboa, vão desfigurando a cidade. Sá Fernandes pecou talvez por querer descer aos pormenores, alardeando conhecimento dos dossiês, em detrimento de uma visão de conjunto, que é o que conta num debate eminentemente político. Fernando Negrão esteve algo apagado (com esta escolha, o PSD arrisca-se a perder em duas frentes; Setúbal, comparada a Lisboa, é evidentemente uma frente menor, mas convém não escamotear a importância simbólica que poderia vir a ter para o partido de Marques Mendes). Carmona agiu em coerência, fazendo a defesa da sua (pesada) herança. Já Telmo Correia, parecendo tomar o túnel do Marquês como seu, assestou baterias em Sá Fernandes. Lá para o fim do debate, lembrou-se que a questão da segurança poderá render votos e salvar a sua candidatura do desastre anunciado. Por fim Helena Roseta, que foi quem, na minha opinião, melhor soube articular um discurso para a cidade, falando da importância da reabilitação (sugeriu uma via verde para desburocratizar esta questão) e da mobilidade dos peões, numa cidade de há muito submetida ao primado do carro particular.


P.S. Uma nota para o trabalho da jornalista Ana Lourenço, sóbria e inteligente na condução do debate.

domingo, junho 17, 2007

Sardinha há só uma: a de Setúbal e mais nenhuma




Há anos (há muitos mesmo...) que sou confrontado com uma triste realidade.
Penso mesmo que ela pode ter um significado de alguma importância na questão da separação feita pelo ministro Lino (aquele que teve medo de dar a cara em Setúbal), entre o país do Grande Vazio ao Sul e o resto do território português, representado pela cidade capital.

A realidade é esta: em Lisboa vendem uma espécie de peixe assado (grelhado é coisa para membros de sexualidades alternativas) a que chamam sardinhas. Prova de quão pouco sabem os lisboetas, uma vez que se trata de uma outra espécie de peixe qualquer, próxima (talvez) do robalo, tal a dimensão do bicho. Promovem, até, festas populares em que se empanturram do gigantesco animal.
Ocasionalmente, tenho tido o desprazer de ser forçado a prová-las (há situações em que não nos podemos furtar a fazer sacríficios). Não são memórias agradáveis.

Como sabe o pessoal que habita a cidade na foz do Sado, perdão, pequeno veio de água que percorre o Grande Vazio ao Sul, a única espécie digna de ser chamada de sardinha é aquele pequeno peixe que se assa pela Luísa Todi fora, enchendo a avenida do seu inconfundível fumo assim que a Primavera se apronta a partir.

Por mim, já cumpri a minha quota de conversões, tornando alguns lisboetas em crentes ferovorosos da setubalense petinga. Aos restantes alfacinhas, lamento apenas o triste engano em que persistem.

Takes one to know one?

Voltei, esta semana, a ouvir este disco dos idos de 80. É o "Tender Pervert" do escocês Momus (aka, pela família, Nick Currie). É um dos meus discos favoritos de sempre (eu sei que não é uma lista muito restrita, mas este entra na shortlist), com algumas canções que são verdadeiras pérolas pop, de letra e de música. Não o podia recomendar mais.



Entre as músicas, algumas em tom bem negro, há uma particularmente divertida - "I Was a Maoist Intellectual".
O retrato que faz, pode muito bem ser aplicado a intelectuais e artistas de outras correntes marxistas. Podemos mesmo fazer o exercício de tentar lembrar-nos de alguns.
A letra é bem extensa, mas mesmo assim eis uma parte (podem ler a totalidade no site do próprio Momus):
I was a Maoist intellectual in the music industry

I always knew that I could seize the world's imagination
And show the possibilities for transformation
I saw a nation in decay, but also a solution: Permanent cultural revolution
Whenever I played my protest songs the press applauded me
Rolled out the red carpet, parted the Red Sea
But the petit bourgeois philistines stayed away
They preferred their artists to have nothing to say

How did I pass my time on earth? Now it can be revealed:
I was a Maoist intellectual in the entertainment field

I showed the people how they lived and told them it was bad
Showed them the insanity inside the bureaucrat
And the archetypes and stereotypes that were my stock in trade
Toppled all the ivory towers that privilege had made
Though I tried to change your mind I never tried your patience
All I tried to do was to point out your exploitation
But the powers that be took this to be a personal insult
And refused to help me build my personality cult
(...)

The rich despised the songs I wrote which told the poor their worth
Told the shy to speak and told the meek to take the earth
But my downfall came from being three things the working classes hated:
Agitated, organised and over-educated
(...)

And how was I treated in this world and in this industry?
As a Maoist intellectual in a business would be

I became a hotel doorman, I stood there on the doormat
Clutching my forgotten discs in their forgotten format
Trying to hand them out to all the stars who sauntered in
The ones who hadn't been like me, who hadn't lived in vain
I gave up ideology the day I lost my looks
I never found a publisher for my little red books
When I died the energy released by my frustration
Was nearly enough for re-incarnation

But if I could live my life again the last thing that I'd be
Is a Maoist intellectual in the music industry
No, if I could live my life again I think I'd like to be
The man whose job is to stop the men who think like me
Yeah! If l could live my life again that'd be the thing to be
The man who plots the stumbling blocks
In the lives of the likes of me!

sexta-feira, junho 15, 2007

Isto está a ficar perigoso!

Quem está a fazer esta campanha?

Quem faz a campanha não me compete a mim apurar. Nós temos tudo o que tem saído na comunicação social, nos blogues, ofícios, em tomadas de posição, em artigos de opinião.. . Esta campanha tem três fases. O processo disciplinar, iniciado a partir do momento em que é nomeado um instrutor, esteve durante quinze dias em segredo como qualquer outro processo disciplinar. Só este ano, na área da DREN, foram já abertos 778 processos: o do professor Charrua é um deles.

Margarida Moreira, em entrevista ao DN.

quinta-feira, junho 14, 2007

A "escola toda" do Partido

Hoje ao almoço, enquanto despachava um Polvo à Lagareiro (enfim, parte do dito animal...), não pude deixar de ouvir a conversa da mesa do lado.
Dois jovens de meia idade (jovens de 30's, mas com aparência de serem os seus próprios irmãos mais velhos), discutiam o futuro disto.
O "disto", fácil de ver, era Portugal, o mundo.
Isto tá uma merda, mas os gajos ainda se vão lixar.
Pode não ser já, mas vão-se lixar.
A burguesia vai-se lixar.

Olááá!
Arrebitei a orelha: temos membro do Partido, certamente!

É como na Venezuela.
Ao contrário do Brasil, que tem o governo cheio de amarelos. Cheio. De amarelos. O gajo teve de fazer muitas cedências. Claro. Foi apoiado pelos outros, pelo "inimigo" (sic, a sério).
Nããã...
Sim, foi, acredita!
Mas na Venezuela a burguesia distraíu-se. Enquanto preparavam o rotativismo, que era coisa para aí com 40 anos, Ele (sim, esse Ele), foi ter com o Partido e começou a preparar as massas. O partido organizou as coisas; os camaradas de lá são coisa a sério. Quando os meios de comunicação da burguesia começaram a dizer que Ele (sim, o Neo-Messias) podia ganhar, zás, os excluídos que nunca votavam, resolveram votar em peso Nele.
É que ele procura ter sempre a certificação do voto, para poder prosseguir a revolução.

(Interrupção telefónica para dar instruções a um outro camarada mais desorientado com as ordens do dia).

E o Iraque, e o Bush, e o capitalismo, 'tão cheios de medo da China, etc, etc...

Conta pedida, lá a paguei. Ao sair e ao passar por eles, olhei para quem tinha ajudado a tornar a minha refeição tão mais cómica do que eu esperava. Lá estava. Por baixo da camisa toda desabotoada, uma t-shirt do Che.

PS - Isto não são citações, uma vez que a memória ficou tolhida pela dificuldade em registar a catadupa de disparates proferida (outros teriam outra aopinião).
Também não é coscuvelhice de conversas alheias. Apenas me pareceu exemplar de uma certa forma de ver o mundo.

quarta-feira, junho 13, 2007

Lembram-se de Maquiavel?

Rui Albuquerque, no Portugal Contemporâneo:
Esta é, de resto, a natureza da política: a conquista, o exercício e a manutenção do poder do Estado, ou seja, da soberania política. O poder, e não o «interesse público», é a sua finalidade, e a satisfação dos clientes, que são os eleitores (momento em que o exercício do poder se poderá aproximar mais de uma ideia de serviço público), é meramente instrumental e não o fim em si mesmo da actividade política: os governantes pretendem agradar aos eleitores porque querem os seus votos para se manterem no poder. (...)

Numa palavra, a política não se confunde com qualquer outra actividade humana, menos ainda com a caridade ou a beneficência social.(...)

Também os liberais, todos os liberais e sobretudo os liberais, nunca depositaram grandes ilusões na política e na capacidade dos governantes para promover o «interesse público» e a felicidade alheia. Ao contrário da esquerda, que acredita que a política é capaz de criar um «homem novo» e uma «sociedade igualitária», ao invés da maior parte da direita, que espera pela providência de Deus ou de um homem para manter a «boa ordem» social, o liberalismo conhece bem os homens e a política, e sabe com exactidão o que os primeiros querem da segunda. Por terem essa exacta noção, é que os liberais desconfiam do Estado e dos governantes. E preferem, apesar de tudo, que os homens se entendam de igual para igual, isto é, no mercado, do que se tenham de submeter ao egoísmo da soberania.

Husbands and Wives

Husbands are things that wives have to get used to putting up with.
And with whom they breakfast with and sup with.
They interfere with the discipline of nurseries,
And forget anniversaries,
And when they have been particularly remiss
They think they can cure everything with a great big kiss,
And when you tell them about something awful they have done they just
look unbearably patient and smile a superior smile,
And think, Oh she'll get over it after a while.
And they always drink cocktails faster than they can assimilate them,
And if you look in their direction they act as if they were martyrs and
you were trying to sacrifice, or immolate them,
And when it's a question of walking five miles to play golf they are very
energetic but if it's doing anything useful around the house they are
very lethargic,
And then they tell you that women are unreasonable and don't know
anything about logic,
And they never want to get up or go to bed at the same time as you do,
And when you perform some simple common or garden rite like putting
cold cream on your face or applying a touch of lipstick they seem to
think that you are up to some kind of black magic like a priestess of
Voodoo.
And they are brave and calm and cool and collected about the ailments
of the person they have promised to honor and cherish,
But the minute they get a sniffle or a stomachache of their own, why
you'd think they were about to perish,
And when you are alone with them they ignore all the minor courtesies
and as for airs and graces, they uttlerly lack them,
But when there are a lot of people around they hand you so many chairs
and ashtrays and sandwiches and butter you with such bowings and
scrapings that you want to smack them.
Husbands are indeed an irritating form of life,
And yet through some quirk of Providence most of them are really very
deeply ensconced in the affection of their wife.


Ogden Nash, in What Almost Every Woman Knows Sooner or Later

Dois filmes que vi no Festróia



Não sei se é do calor que entorpece o corpo e a alma ou tão-só falta de inspiração, mas a verdade é que a escrita tem rareado.
Sobre o Festróia, não em jeito de balanço, apenas para destacar dois filmes, os que para mim marcaram a vigésima terceira edição deste evento dedicado à sétima arte.
Nenhum deles foi premiado, um nem sequer estava em competição.
Iska's Journey, do cineasta húngaro Csaba Bollók, filma o duro quotidiano de uma rapariga de doze anos, obrigada sobreviver em condições de extrema pobreza. Passado no Vale de Jiul (parte da Roménia, mas onde muitos dos seus habitantes são etnicamente húngaros), região outrora conhecida pelas suas cidades mineiras e certamente parte identitária do socialismo real, é hoje um lugar em profunda crise. Poucas minas sobreviveram ao advento das reformas económicas, que para muitas comunidades desta região nada significaram a não ser opróbrio. É neste mundo de decomposição industrial que vamos encontrar Iskas, por entre as lixeiras de destroços e escórias. Filme agreste, consegue porém alcançar uma estranha beleza, muito por força da vitalidade dos planos e da fotografia, evitando sempre a armadilha da esteticização da miséria.
Do cineasta checo Jirí Menzel, homenageado no Festróia, vimos “Eu servi o Rei de Inglaterra”, o seu filme mais recente; deliciosamente mordaz.
Visualmente muito sedutor, narra-nos o sonho de ser milionário que percorre a vida de um empregado de mesa dos luxuosos hotéis de Praga. E é também um olhar sobre a história. Debruça-se longamente sobre a luxuriante euforia dos anos vinte, onde, entre outras coisas, vemos o nosso herói, Jan Dítě, receber uma medalha das mãos do Imperador da Etiópia (uma cena de antologia; e também das vantagens em ser baixo de estatura). Depois, as reivindicações alemãs sobre os Sudetas, com a ascensão do nazismo ao poder, e a denúncia “da mentira que era Checoslováquia”, que culminará na anexação. Mas o período da ocupação até que nem foi prejudicial para Jan Dítě; dos amores de uma jovem ariana à colecção de selos que lhe permitirá finalmente, quando acaba a guerra, ser milionário e comprar o hotel. O nosso herói não contava era com advento do comunismo, prodigiosamente encenado nas figuras de um operário (colarinho azul) e de um intelectual (o casaco e óculos enquanto signos). Jan vai perder o hotel, que passa a “ser do povo”, e a sua condição de milionário, ao confessar aos representantes da nova ordem ser possuidor de um fortuna avaliada em 15 mil…, vai valer-lhe uma condenação a quinze anos de prisão. É amnistiado ao fim de catorze anos e alguns meses mais e vai viver para uma região remota, na fronteira, onde outrora habitavam os colonos alemães. Jan mantém aí uma forte relação com passado, como se estivesse irmanado com a História.

terça-feira, junho 12, 2007

Leituras sobre carris



O fim da aventura - Graham Greene

Greene é um dos meus autores favoritos, senão o. Porque não recebeu o Nobel, só os deuses saberão.
Tenho ao longo dos anos tido o prazer de ler vários, muitos, dos seus livros mas este tinha sido adiado. Até hoje não vi o filme que sobre ele foi feito, mantendo assim a expectativa sobre o livro.
Esta versão é uma tradução de Jorge de Sena, nos anos 50, e que, no meu parecer de ignaro leitor, está um pouco datada, apresentando mesmo erros no português impresso, tal como a acentuação de advérbios de modo. Isto, claro, é nada perante o livro que Faulkner - outro dos meus favoritos - tanto elogiou.

Agora, espero em breve ver o filme...

Ser Comunista


Via Ladrões de Bicicletas, este cartaz, uma delícia.
Pois parece que a globalização das redes trouxe novo fôlego ao comunismo.

sábado, junho 09, 2007

Finalmente, uma micro-causa digna de apoio

"Movimento Pipettes em Portugal"

Uma causa, proposta do escriba do The Sock Gap.

Não acredito que não haja nenhum empresário do meio, com olho para a coisa, que não perceba o potencial de saltitantes clientes que ía conseguir juntar num concerto destas meninas.
Ouvejam no Videoclip Lounging.
E, fosga-se, vão lá sacar o album da net!

sexta-feira, junho 08, 2007

Dia do Medalhamento aos Melhores da Raça

"Foge cão, que te fazem Barão! Para onde, se me fazem Visconde?"

Frase atríbuida a João Baptista da Silva Leitão, visconde de Almeida Garrett.



"Há uma coisa que está sendo tão vulgar com o ter febres; é contrair um título."

Farpa de Ramalho Ortigão.

O efeito Keynesiano de Cavaco Silva

A zona da baixa de Setúbal, à volta da Luísa Todi e da Marina, foi tomada de assalto por equipas de esteticistas urbanos.
Entre as maquilhagens aplicadas, houve a idiótica ideia de pintar o edíficio do (antigo) Banco de Portugal com uma côr esbranquiçada, melhor definida como "côr de burro quando foge", em substituição da tradicional côr. Até a pedra usada na parede foi pintada...
As paredes do tribunal, também elas em pedra, foram limpas e arranjadas - neste caso sem recurso a pinturas.
Reparei também, por exemplo, que até as pequenas pedras que cercam as árvores da zona, foram repostas onde faltavam.
Apesar de algumas dúvidas de carácter estético (podiam ter aproveitado para tirar aquele amontoado de tripods em betão e cordas meio podres, que está no meio da avenida), não ficam mal à cidade estes arranjos. Até os inúmeros cartazes que anunciam as comemorações do Dia das Medalhas, têm um bonito efeito, como se preparassem a cidade para a festa que aí vem. Isto, apesar das barreiras que certamente impedirão que os "populares" (vulgo cidadãos/eleitores/contribuintes) de se aproximarem demasiado dos mais distintos representantes da Raça, claro. Afinal, o socialismo constitucional ainda não foi cumprido e não foi assegurado a todos o direito a uma medalha.

Podemos talvez dizer que os festejos do Dia dos Comendadores Desconhecidos são uma espécie de mini-mini-mini-Polis, deixando o Presidente da República, keynesiano de créditos firmados, satisfeito com o resultado da sua escolha para o beija-mão real presidencial (sempre foram 800 anos de monarquia...).

segunda-feira, junho 04, 2007

I Could Live In Hope

Setúbal foi a brincar?



RSO (2005-10-17):
Negrão decidiu assumir a vereação, quando muitos davam como certo que não o faria, depois de ter concluído que essa função «é conciliável com o mandato de deputado na Assembleia da República», para o qual foi eleito nas legislativas de 20 de Fevereiro pelo círculo eleitoral de Setúbal. Para além disso, confessa que recebeu «muitos apelos para ser vereador», quer por parte da população, quer do próprio PSD.
Concluo estarmos perante alguém que não foge aos apelos que lhe fazem.

Videoclip Lounging

Este fim de semana, a caminho da praia, num carro com leitor de cassetes.
Uma do fundo do saco, onde há anos estava arrumada.
A plenos pulmões.

"The street heats the urgency of sound
As you can see there's no one around"

Leituras sobre carris



Os Americanos - Henry Louis Mencken

sábado, junho 02, 2007

Low