sexta-feira, junho 30, 2006
Misantropia
Junta-se a tropa toda e o patronato numa sala, há discurso aos proletários em parada, convive-se com a malta e normalmente há comes e bebes.
Por mim, dispenso estas coisas. Assumo a minha misantropia no convívio com os demais assalariados. Quero lá saber. Vendo o meu tempo e mantenho-os bem enganados se pensam que percebo alguma coisa do que faço. Sim, sou um misantropo mercenário. Estou-me borrifando para o ambiente de trabalho. Chegado a mais um fim de ano corporativo (capitalices: o ano fiscal começa e acaba por estes dias), o meu check list de objectivos foi cumprido. Parabéns, que aumento talvez nada, porque o mar está bravo. Dá-me igual: se achasse que o preço não é o certo, ía-me vender para outro lado (se houvesse comprador...).
Não me interpretem mal: nada me afasta dos outros seres humanos nem me oponho a celebrações colectivizadas. Se até vou à bola todos os 15 dias!
Mas estas partilhas de sentimentos e de camaradagem empresarial não são para mim. Vão fazer teambuilding lá pró prédio onde moram.
Resumindo: muito obrigado por pagarem o meu preço certo a tempo e horas que eu cá continuarei a dar o litro. E a todos os demais assalariados, saudinha.
Uma punição colectiva
O terrorismo faz do uso do terror a sua principal linguagem política, instrumento privilegiado para atingir um determinado fim, independentemente da sua natureza.
Assim entendida, a palavra terrorismo não distingue organizações ou grupúsculos movidos por um qualquer irredentismo, étnico, religioso ou político/ideológico, dos Estados-nação que fazem do terror instrumento importante das suas políticas. Tem um carácter instrumental, diz respeito aos meios.
É o caso do Estado Israel em relação aos palestinianos. Como entender a acção actualmente em curso na faixa de Gaza a não ser como uma punição colectiva destinada a incutir medo e pavor? Como entender a destruição deliberada da principal central eléctrica de Gaza, que deixará centenas de milhares de pessoas por muito tempo privadas de água e electricidade?
Dir-se-á que Israel procura, ao fazer uso desse instrumento, desencorajar os palestinianos da prática de actos tais, como o rapto de soldados ou cidadãos israelitas e o os atentados bombistas perpetrados em solo hebraico. Mas essa prática política assenta num equívoco, pois confunde organizações e movimentos que praticam o terror com a toda uma população, sobre a qual faz recair uma espécie de culpa colectiva. Legitima-se assim a destruição em larga escala e a privação de milhares de famílias palestinianas das mais elementares condições de vida.
Gaza está hoje à beira de uma catástrofe humanitária, e a quem aproveita o caos e a destruição gerados? Não é certamente ao Estado de Israel, pelo menos aos que no seu seio aspiram à paz.
quinta-feira, junho 29, 2006
quarta-feira, junho 28, 2006
Uma história
Um pequeno triunfo do capitalismo.
Uma luz ao fundo do túnel
Mahmoud Abbas logrou obter a assinatura do Hamas para o documento de reconciliação nacional, que reafirma o direito do povo palestiniano à autodeterminação, a um Estado viável dentro dos limites dos territórios ocupados durante a guerra dos seis dias. (1967)
Ora, a legítima reivindicação de um Estado situado nas fronteiras de 67, agora também subscrita pelo movimento islamista Hamas, actualmente no governo da Palestina, acaba por se traduzir no reconhecimento, ainda que implícito, de Israel. Poderíamos falar, num tom um tanto ou quanto hiperbólico, numa revolução coperniciana no seio do Hamas. Ou na dura realidade em que consiste a arte de governar. A ver vamos o que nos reserva o futuro nas terras bíblicas.
Este é um dos parágrafos chave do documento palestiniano:
The Palestinian people in the homeland and in the Diaspora seek to liberate their land and to achieve their right to freedom, return and independence and to exercise their right to self-determination, including the right to establish their independent state with al-Quds al-Shareef as its capital on all territories occupied in 1967; the people also aim to secure the right of return for refugees and to liberate all prisoners and detainees based on the historical right of our people on the land of our forefathers and based on the UN Charter and international law and legitimacy.
Hillary(ous)
terça-feira, junho 27, 2006
Ninguém Sabe
DAREMO SHIRANAI, de Hirokazu Kore-Eda.
Filmar a lenta e inexorável desolação.
Este belo filme é de abandono e solidão que nos fala, mas também de uma grande vontade de vencer um quotidiano feito de adversidade. Essa vontade é corporizada em Akira, jovem protagonista que ainda criança se vê obrigado a cuidar dos irmãos mais novos; o actor, Yuuya Yagira, foi premiado em Cannes.
É uma dolorosa experiência para nós, espectadores, confrontados com a insinuação da pobreza que cada vez mais vai assolando esta família de crianças perdidas no anonimato de um apartamento da metrópole.
Paradoxalmente, este filme contém a espaços fragmentos de luminosidade, como a promessa de Akira à irmã, Yuki, de a levar até ao lugar donde partem os aviões, feita noite dentro e sob o ruído do monocarril que toma precisamente o caminho do aeroporto. Ou o passeio pela cidade e esse momento de interrupção do quotidiano simbolizado pelo jogo de baseball.
Bom cinema do país do Sol Nascente. Ensaio cinematográfico sobre o abandono e o esquecimento.
O que é seu, é nosso
No nosso país, a necessidade de respeito pela propriedade e pelos direitos a ela ligados, não costuma estar no topo dos valores e regras que regulam as relações sociais. Assim se compreende que seja tido como perfeitamente aceitável que o Governo, através do Ministério da Saúde, se prepare para retirar aos proprietários de estabelecimentos comerciais a liberdade de escolherem qual o mercado para o seu negócio, quais os seus clientes. Estou a falar da legislação que impõe a proibição de fumar em bares, restaurantes ou noutros espaços de propriedade privada, deixando aos donos a responsabilidade de se queixarem às autoridades no caso de um cliente violar a lei. Para tal, o Governo invoca a necessidade de o Estado cumprir a garantia constitucional de proteger a saúde de todos os cidadãos.
A liberdade de escolha deveria ser assegurada não só aos proprietários, mas também aos eventuais clientes dos bens e serviços prestados nestes estabelecimentos. Desde que, de forma clara, seja tornada pública a opção feita por determinado restaurante ou bar, de proibir ou permitir que se fume no seu interior, a decisão de neles entrar e consumir deve ser da inteira responsabilidade do cliente. Só este deve avaliar se o fumo que pode encontrar no seu interior é factor determinante para não escolher aquele espaço para jantar, beber um copo, ouvir música ou dançar, optando por outro estabelecimento.
A livre concorrência, assente na inexistência de limitações administrativas, dará hipótese de satisfazer os vários tipos de clientela. Se a procura de espaços de lazer livres de fumo for da dimensão que se apercebe através dos inquéritos de opinião, os quais dão conta que os malefícios do tabaco (incluindo o fumo que vem dos cigarros alheios) são reconhecidos por muitos, tal atrairá os empreendedores. Uma definição clara dos direitos de propriedade pode corresponder a novas oportunidades de negócio e à entrada no mercado de novos empresários ou à reconversão de estabelecimentos já existentes.
Outra legislação, prestes a entrar em vigor, parte do papel do Estado como justiceiro social para justificar mais um ataque aos direitos de propriedade. No âmbito da nova lei do arrendamento, o Governo anunciou a pretensão de dar aos inquilinos o “direito de comprar” determinado imóvel, se os senhorios não realizarem obras de recuperação. Associado a tal direito, surge a indicação de como deverá ser encontrado o preço dessa compra. Isto equivale a retirar aos proprietários a capacidade de decidir sobre o destino dos seus bens, usando a lei para beneficiar um grupo específico de cidadãos.
Esquece-se que a degradação, que muitos imóveis sofreram, também resultou da continuada intervenção do Estado neste mercado. Ao estabelecer regras e limites para o valor das rendas e dos seus aumentos, restringiu os direitos do proprietário e criou barreiras à obtenção de rendimentos que assegurem a valorização do imóvel e a realização de obras. Esta insegurança, nos direitos de posse, contribui para diminuir o potencial deste mercado como destino no investimento das poupanças de muitos aforradores.
O Estado devia limitar-se a garantir que as escolhas dos seus cidadãos são livres, que o processo de negociação e contratação, entre quem presta um serviço ou vende um bem e quem decide adquiri-lo, é isento de alguma forma de coacção ou especial favorecimento de uma das partes. Tal podia ser conseguido se os legisladores, ao invés de pretenderem regular minuciosamente o funcionamento de um qualquer mercado, se preocupassem antes em melhorar a qualidade e rapidez do sistema judicial e a promover a segurança dos cidadãos e dos seus bens.
Pelos vistos, para o Estado, os direitos de propriedade só são absolutos na hora de cobrar impostos. Nessa altura, transformam-se em inúmeras e pesadas obrigações fiscais. No contexto actual, a propriedade privada é apenas mais um instrumento ao dispor do Estado e das políticas seguidas por quem prefere retirar aos indivíduos a liberdade de escolha e o pleno usufruto dos seus bens.
segunda-feira, junho 26, 2006
Demissão de Mari Alkatiri
Elogiado pelo Banco Mundial, entre outras coisas pela transparência com que tratou o dossiê do petróleo, Mari Alkatiri não resistiu porém à pressão da “rua”.
Não podemos esquecer o papel da Igreja Católica em tudo isto. Alkatiri provém de uma família muçulmana e ainda por cima deu-se a inclinações laicistas, casos do programa de planeamento familiar ou do ensino religioso nas escolas, colhendo o ódio daquela instituição.
Sobra a Timor o carisma de Xanana Gusmão.
Aid while still alive
Warren Buffett, the world's second-richest person, is donating about $37 billion -- more than 80 percent of his fortune -- to foundations run by his friend Bill Gates and by the Buffett family.
The move is the biggest-ever single act of charitable giving in the United States.(...)
The Gates foundation is one of the world's richest philanthropic organizations.
It has committed millions of dollars to fighting diseases such as malaria and tuberculosis in developing countries, and to education and library technology in the United States.(...)
In a letter to Gates and his wife, Buffett wrote: "You have committed yourselves to a few extraordinarily important but underfunded issues, a policy that I believe offers the highest probability of your achieving goals of great consequence."
Pode ser que o gesto do democrata e apoiante de Hillary Clinton convença os participantes de iniciativas como o Live 8, que normalmente dão voz aos protestos anti-capitalistas e à acumulação de grandes fortunas (como as suas...), a se separarem voluntaria e altruisticamente da maioria dos seus milhões, em favor dos menos afortunados. No fundo, "putting their money where their mouth is".
Consulte o site da Bill & Melinda Gates Foundation.
sexta-feira, junho 23, 2006
Às noites de Verão
Já se sentem.
Abriu a época de caça às caipirinhas.
Para quem esperava por estas noites, como eu, uma dedicatória no Videoclip Lounging.
Timor
É interessante verificar que a generalidade da imprensa lusitana tomou o partido de Xanana, ele incarna a pureza de Timor Lorosae, o antigo guerrilheiro que na mata travou um combate de David contra o colosso indonésio. Claro que o papel de vilão, esse, foi confiado a Alkatiri, o leninista que põe os interesses do partido (hoje, muitos lembram a ideologia marxista que deu corpo à Fretilin, mas esqueceram mui convenientemente esse dado histórico durante os anos da guerrilha independentista) acima do seu próprio povo.
Temos pois um quadro maniqueísta tão ao gosto da nossa imprensa, prodigiosa na arte de transformar a realidade. Assim, uma manif de pouco mais de um milhar de pessoas à frente do Palácio do Governo representa o povo timorense vigilante, em face do insidioso golpe estalinista que na sombra, por Alkatiri e Rogério Lobato entre outros, estaria a ser arquitectado.
De pouco importa que Alkatiri e o partido de que provém tenham sido eleitos democraticamente no quadro de um moldura constitucional vertida da antiga metrópole .
quinta-feira, junho 22, 2006
Lisboetas
Lisboetas, de Sérgio tréfaut
Filmar o olhar dos outros sobre nós, um documentário muito interessante, em que a poética das imagens atenua o peso do naturalismo (estou-me a lembrar, por exemplo, daqueles dois imigrantes do leste, talvez russos, talvez ucranianos, que pela noite dentro cantam com ardor uma canção da terra, enquanto lavam a rua do elevador da Bica).
Fragmentos da vida dos outros lisboetas formam um fresco sobre as imigrações que mudaram face da metrópole.
quarta-feira, junho 21, 2006
Retirante
Lembrava a sandália dela
Sonhava com a cara dela contando estórias pra mim
Cantava com a voz aguda
Uns sons que eu não entendia
Que entravam na minha vida
E eu achava bonito demais
E a porta da casa dela
Nem parecia uma porta
Tinha uma luz azulada
Que vinha de lugar nenhum
Na sala tinha uma mesa
De madeira e quatro cadeiras
Como se estivessem sempre
Esperando alguém pra jantar
Hoje conto com a sorte
Cantador de pop errante canto pra não voltar
Hoje conto com a sorte
Na América do Norte canto pra não chorar
Retirante nordestino
Índio branco qualquer um cantador de pop errante
Brasileiro é jogador
Vinicius Cantuária. Do álbum Tucamã
terça-feira, junho 20, 2006
Boas notícias
É que, ao contrário do que desejariam os netos dos comunistas eslovacos e alguns bloggers portugueses (ò Marvão, esclareço já que está longe de mim chamar-te comunista!), o dinheiro dos investidores conhece poucas fronteiras e tende a beneficiar os países que não os hostilizam. Quando deixa de ser bem vindo ou as condições que justificam o investimento se alteram, não se pára a produção: transfere-se a localização. Por isso a globalização favoreceu o Leste europeu. Pelos vistos os resultados alcançados não são satisfatórios e a soberania inatacável dos votantes eslovacos decidiu dar o poder a quem lhe promete mais "social" (e aos seus possíveis aliados do SNS, nacionalistas anti-húngaros e homofóbicos).
No EUObserver:
French press says the fall of prime minister Mikulas Dzurinda in last weekend's Slovak elections could signal the end of economic liberalism in Slovakia, which has turned the country into a haven for car makers.
Visto
Divertido e bem conseguido remake do filme / da peça de Mel Brooks.
Para recordar Zero Mostel e Gene Wilder.
De regresso
Azar o meu.
segunda-feira, junho 19, 2006
A receita liberal e os eleitores.
Também na República Checa, a vitória anunciada (dos liberais) ficou-se por Pirro, enquanto que agora na Eslováquia, terra da flat tax, os eleitores inclinaram-se para o partido de esquerda, que ao longo da companha denunciou a polarização social, o cavar do fosso entre ricos e pobres, legado de uma política de reformas que, entre outra coisas, negligenciou as transferências sociais.
Para muitos, os eleitores desafiam a Razão, teimam em não seguir o caminho indicado por uma legião de economistas e comentaristas “fazedores de opinião” que colonizaram o espaço público. E perante a desfeita, não hesitam em fazer recair epítetos sobre o pobre eleitor, “preguiçoso”, “avesso ao risco”, em suma, incapaz de compreender a bondade de tais políticas.
Tudo isto me faz lembrar os comunistas, que outrora diziam, dos eleitores, que se tinham deixado seduzir pelo canto da sereia...Se não votávamos no partido era porque estávamos manietados pela “falsa consciência”; hoje, se não votamos nos liberais, é porque o conforto do “Estado social” nos turva a razão.
sexta-feira, junho 16, 2006
O peso de uma imagem
Jenna Jameson
Deparei com ela na Praia, mas provém da Bomba Inteligente.
Esta imagem é de facto um assombro, coisa raramente vista...
Não resisti a reproduzi-la aqui.
quinta-feira, junho 15, 2006
Prefiro Rosas
E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude.
Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.
Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença,
Se a aurora raia sempre,
Se cada ano com a primavera
As folhas aparecem
E com o outono cessam?
E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?
Nada, salvo o desejo de indiferença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.
Ricardo Reis
quarta-feira, junho 14, 2006
Alva Noto/Sakamoto-Insen
O Coliseu não é talvez o espaço mais adequado para este tipo de evento, pedia-se uma sala mais pequena, não tão fria, e com outras características, que provocasse aquela sensação de sermos tomados pelo som, de sentirmos toda a atmosfera impregnada.
O espectáculo tomou como ponto de partida o magnífico Insen (2005), último álbum deste duo, embora não tenha também esquecido Vrioon. Foi como que uma simbiose entre linguagens diferentes; as ricas subtilezas e o elegante fraseado do piano de Sakamoto encontraram uma rica tradução digital e visual na arte de Alva Noto, hábil manipulador ou espécie de moderno artesão. E no final tivemos direito a bela e estranha abordagem de Merry Christmas Mr. Lawrence.
Podem aqui desfrutar de uma (ténue) aproximação ao concerto.
terça-feira, junho 13, 2006
Ainda não me molhei
Infelizmente só "irei a banhos" se a trovoada que paira sobre a cidade do Sado se despejar sobre a dita e me apanhar desprevenido, sentado numa esplanada a ver o rio.
Nem sempre os marketeers definem correctamente os comportamentos dos seus mercados alvo...
Até já.
segunda-feira, junho 12, 2006
Não, não fui a banhos
Parece que, na diplomacia dos EUA, ganha corpo a necessidade (ou inevitabilidade) de conversações directas com a República Islâmica do Irão, de acordo com o New York Times.
Do dossiê nuclear para o desporto rei, fui tomado pelo tédio à medida que ia decorrendo o Portugal/Angola, um estado de quase letargia. Pobre espectáculo. Alguma emoção, só mesmo no jogo do Irão, por quem, como não podia deixar de ser, torci, não obstante toda a estima pelo México indígena e pelos zapatistas.
Não fui a banhos nos dois dias livres da esfera burocrática, preferi antes (não sei se por masoquismo) o calor abafado de uma sala escura. À moda antiga, sem vestígio de ar condicionado mas também sem o amparo de um leque.
sexta-feira, junho 09, 2006
O Som no Office
Fire Music - Archie Shepp // For Musicians Only - Stan Getz, Dizzy Gillespie e Sonny Stitt
quinta-feira, junho 08, 2006
Não percebo
As atribulações de um ser humano não são de fácil entendimento.
Gaiatos
A instituição que os tutela devia ser o refúgio de não terem nascido numa família que os pudesse suster e acarinhar, prepará-los para crescerem e enfrentarem as responsabilidades da vida adulta.
As organizações são feitas por homens e estes dotados de qualidades e defeitos. Quando estes dominam e se transformam em abusos, cabe aos outros homens intervir e assegurar protecção e justiça a quem tão pouco pode para defender a sua vida, a sua integridade física e mental. Para isso deve servir o Estado, os direitos nele delegados e os meios de coacção que possui. Aqui tem ele um papel fundamental. Não como providenciador dos serviços de apoio social, mas como provedor de justiça - mais atento e célere quando de gaiatos se tratam. Não falo de mais regulamentos especiais nem de mais comissões de acompanhamento. Falo da segurança que é a certeza e confiança na protecção que a comunidade dispende a todos os seus membros. Como há tempos escrevi, a justiça deve ser o "core business" do estado.
Espero que para estes gaiatos ela não tenha chegado tarde.
quarta-feira, junho 07, 2006
A Ministra e os professores
A campanha de desvalorização da imagem dos professores tem levado os pais a sentirem-se legitimados a ir à escola protestar contra todas as ofensas de que os seus filhos foram alvo (segundo o fantasioso relato de que as inocentes crianças fizeram em casa). É uma forma de pressão que apenas degrada o ambiente. Mas o simples facto de se ter anunciado, em termos relativamente nebulosos, que os pais iriam avaliar os professores conduz os alunos a dizerem desde já: “Professor, para o ano o meu pai é que lhe vai dizer.” Donde, o sentimento de impunidade tende a crescer. Ora é preciso restituir -já!- a autoridade às escolas e deixarmo-nos de demagogias da treta.
Não há transmissão de saber nem pedagogia que possa vingar nestas circunstâncias.
A simples ideia de avaliar professores em função das notas dos alunos é absurda (as notas dependem das escolas, da preparação dos alunos, do meio ambiente e não se pode comparar o incomparável) e perversa.
Os resultados só podem ser um abaixamento da exigência nas escolas.
Público, 7/6/2006.
E a degradação da escola pública, acrescentaria eu, que com amigos destes não precisa de inimigos.
A ministra parece-me animada por uma fé profunda, acredita na pureza imaculada do edifício teórico emanado das modernas ciências da educação, faz-me lembrar o mesmo zelo de outros tempos: os estalinistas da defunta RDA também não gostavam do povo que tinham; a ministra não gosta dos professores que tem.
Nada melhor do que então recorrer a Brecht:
“A Classe docente perdeu a confiança da ministra
E só à custa de esforços redobrados
Poderá recuperá-la. Mas não seria
Mais simples para a ministra
Dissolver a classe docente
E eleger outra?"
Clothes of sand
Who has taken you far from my land
Who has said that my sayings were wrong
And who will say that I stayed much too long?
Clothes of sand have covered yor face
Given you meaning but taken my place
So make your way on down to the sea
Something has taken you so far from me.
Does it now seem worth all the colour of skies
To see the earth through painted eyes
To look through panes of shaded glass
See the stains of winter's grass.
Can you now return to from where you came
Try to burn your changing name
Or with silver spoons and coloured light
Will you worship moons in winter's night.
Clothes of sand have covered your face
Given you meaning but taken my place
So make your way on down to the sea
Something has taken you so far from me.
NicK Drake
Para a Somaliland, rapidamente e em força.
Esperamos pois que os liberais (os da blogosfera e os outros) sigam o exemplo.
Picuinhisse ortográfica
Os abaixo mencionados referem-se sempre a Bracannes e não a Brancanes. Facilmente o nome teria sido corrigido, bastando consulta ao site da Direcção Geral dos Serviços Prisionais (adequado ao assunto em causa).
Será um exemplo de simples copy/paste das agências de notícias? De copy/paste de textos entre eles? Mas não é esse um dos pecados de que são acusados os blogs?
Consulte "Bracannes" nas notícias de:
JN, RR, DD, SIC, TSF, PD, RTP, TVI, Lusa
Sobre o mesmo assunto, só encontrei um MSM que escreve "Brancanes" - o Público.
terça-feira, junho 06, 2006
Um reparo (*)
Reparo que a magnífica obra realizada no Largo José Afonso, no âmbito do POLIS, continua sem uso que enobreça a sua grandeza. Que actividades estão previstas pela edilidade para aquele desolado anfiteatro, que substituiu a Feira de Santiago, de modo a alegrar as quentes noites de verão sadinas?
(*)Título parafraseado aos famosos 3 Reparos d'O Setubalense.
segunda-feira, junho 05, 2006
Festroia, primeiras impressões
Imagens dos concertos, do rock apocalíptico e iconoclasta , o testemunho de uma miríade de personagens do undergound ou de simples admiradores que nunca imaginaram ver os Laibach em território americano (conservo a deliciosa imagem do pai de duas filhas ainda no início da adolescência, os três vestidos de negro, preparados para o grande concerto; também de um skinhead que sentia uma atracão irresistível pelo som desta banda e que dizia que os Laibach cruzavam “o fascismo com a moderna economia”; deslocou-se do sul dos Estados Unidos até Chicago para não perder o acontecimento).
E depois o discurso dos Laibacah, inteligente e mordaz, às vezes mesmo no limite da provocação: “América é a única nação que na história passou do barbarismo para a decadência sem conhecer o estádio intermédio da civilização”; “dormimos melhor sem o sonho americano.”
A montagem é quase febril, o ritmo a que se sucedem os fragmentos dos concertos ou dos testemunhos capta eficazmente aquilo que julgamos ser a música dos Laibach.
Os Laibach nasceram na Jugoslávia comunista, onde foram alvo da censura. Também proibidos na França democrática, sob a acusação de fazerem “propaganda fascista”.
Gostei da economia de meios, da argúcia e humor presentes nos diálogos de “Na Cama”, filme do chileno Matias Bize. Um homem e uma mulher num quarto de Motel, cenário único desta película. Muito bem engendrado o processo narrativo; da casualidade do encontro à cumplicidade.
Matias Bize soube jogar muito bem com a luz, que muito contribui para atmosfera do filme, para carga intimista que o impregna.
Por último, o privilégio de ter visto Terge Vigen, Victor Sjöström.
Cópia restaurada e belíssimo o acompanhamento pelo pianista norueguês, Ketil Bjornstad.
Pena o calor intenso que se fazia sentir na sala do Fórum Luísa Todi, já é tempo de se investir no conforto dos espectadores, que certamente não tem vocação para estóicos.
A Câmara de Setúbal, se quer continuar a acolher eventos desta dimensão, necessita urgentemente de melhorar as condições do Fórum, sem dúvida um bela sala, mas sem sistema de refrigeração que se sinta.
Off-Parque Mayer
"As Vampiras Lésbicas de Sodoma", pela Companhia Teatral do Chiado.
Mais um excelente espectáculo da mesma companhia que promete apresentar "As Obras Completas de William Shakespeare em 97 minutos" (felizmente, a coisa demora um pouco mais...).
A não perder.
sexta-feira, junho 02, 2006
Violência na escola: uma questão de bom senso?
Devo dizer que não vi a reportagem em causa, embora não tenha ficado indiferente aos seus ecos.
Sei que os professores aceitaram falar para a RTP, apenas na condição de que fosse preservado o seu anonimato; rosto ocultado e voz distorcida perante a câmara da televisão.
Penso que ao agirem assim poderão ter alienado a (pouca) autoridade que ainda lhes restava junto dos pais e alunos. O que acabei de dizer é menos uma crítica do que um juízo de facto. Não tenho com efeito qualquer intenção de julgar a conduta daqueles docentes. Muito provavelmente, fizeram-no por força de um quotidiano de violência cada vez mais insuportável.
A violência, uma das formas assumidas do conflito nas sociedades humanas, é um dado inelutável da existência, não é possível erradicá-la totalmente. Isto é válido tanto para a escola do antigo regime como para a escola democrática.
O problema está em saber gerir os níveis de violência ou de conflito, e hoje este fenómeno parece assumir grande repercussão nalgumas escolas, a ponto de se transformar em norma ou de produzir um quadro anómico.
Para além dos problemas inerentes à formação dos professores que trabalham em escolas que servem meios sociais desfavorecidos (e aqui tendemos a exigir do professor uma espécie de missionarismo a meu ver muito pouco realista; se devemos exigir aos docentes competências profissionais, já o espírito de missão ou o chamado voto de pobreza apregoado por alguns arautos das ciências da educação sem qualquer experiência da realidade concreta, me parece manifestamente exagerado), creio que algum bom senso poderia também contribuir para o recuo da violência escolar.
A começar pela reformulação do processo de aplicação de sanções, que de tão diferido no tempo acaba destituído de significado (aqui a responsabilidade é por inteiro do Ministério de Educação). Reforçar a autonomia das escolas no campo disciplinar, em vez de remetê-lo para a teia burocrática do ministério, já seria um avanço.
Por outro lado, a medida de expulsão do aluno em caso de reincidência não deve ser vista como uma espécie de anátema e começar desde logo a ser posta em prática (Será aceitável a um professor cruzar-se dia a após dia com seu agressor nos corredores da escola? Quantos de nós suportaríamos esta situação?). Quando falo de expulsão, não quero dizer exclusão do sistema de ensino, mas tão-só significar a transferência para um outro estabelecimento, desfrutando aí o aluno dos necessários apoios (psicológico, pedagógico, etc.) para uma trajectória futura inclusiva.
Em suma, é necessário reforçar a autoridade do professor e das escolas. E Sem uma cultura de responsabilização dos alunos e dos pais não vamos lá.
Aos professores devem ser exigidas competências nos domínios das matéria curriculares e da pedagogia. Mas não transformemos os professores em psicólogos e assistentes sociais, pois nem tudo pode provir dos pobres docentes.
Festroia
Abre a sessão inaugural com Terje Vigen, de Victor Sjostrom.
Trata-se de um filme datado de 1917 e que é baseado num poema de Henrik Ibsen. Contará com o acompanhamento, ao piano, do compositor norueguês Ketil Bjornstad.
A organização inscreve esta obra no ciclo Celebração do Cinema Norueguês – 100 anos. Contudo, sabemos que o cineasta Victor Sjostrom era sueco, pelo que não sei se não haverá aqui um equívoco. Numa curta pesquisa, podemos verificar que o filme em causa é referenciado como sueco. Talvez por versar um tema caro ao patriotismo norueguês (e ainda para mais feito a partir de uma obra de Ibsen), esta nação o reivindique como “seu património”.
Para além da competição oficial dedicada às pequenas cinematografias, o festroia contará, entre outras coisas, com uma retrospectiva sobre o cineasta indiano Satyajit Ray e com a habitual secção dedicada aos independentes americanos. Destaco ainda uns Westerns vindos da defunta República Democrática Alemã.
A diversidade da programação é um convite ao desfrute da sétima arte em Setúbal.
quinta-feira, junho 01, 2006
O Novo Mundo
Vemos, primeiro, a água cristalina, a luz reflectida, depois, as árvores e o céu. Somos então envolvidos pela harmonia dos sons da Mãe Natureza.
Eu sei que esta natureza animada de espiritualidade é um traço do cinema de Malick (basta invocar o precedente The Thin Red Line,), mas soçobrei outra vez à sua beleza.
Confesso que não resisti a esta forma filmar a natureza, agreste para os colonos de Sua Majestade chegados a este Novo Mundo e possuídos pela promessa de uma nova Idade de Ouro; encarnação do paraíso perdido onde tem lugar o amor entre o oficial inglês, John Smith, e a princesa índia, Pocahontas. São momentos idílicos, em que o lirismo impregna todo o espaço. O primeiro terço do filme é sublime.
Malick centra a narrativa em torno da Princesa Pocahontas, em cuja vida confluem o Mito e a História. Uma Pocahontas em harmonia com a natureza, talvez porque parte intrínseca desta, e cujos desígnios da alma parecem escapar ao entendimento humano. Ela suscita admiração e desejo entre os ingleses. Representa algo que verdadeiramente não podemos possuir.
O final, em Inglaterra, tem as marcas da redenção e a capacidade de nos reconciliar com o mundo. Aqui, temos algo novo no cinema de Malick (na sua, “mise-en-scène” este Novo Mundo não representa uma ruptura com a restante filmografia do autor).
Um filme muito precioso. Um poema em forma de imagens.
The Go-Betweens
Em sua memória, no Videoclip Lounging, podem encontrar oito videos da banda australiana.