O debate de ontem à noite, à parte ter revelado aquilo que já sabíamos, ou seja, que Louçã e Portas são dois políticos inteligentes e de fortes convicções, foi também um exemplo, no melhor sentido, da conflitualidade democrática. Em planos opostos do espectro político, souberam expor com clareza as ideias e valores que professam e argumentaram quase o tempo todo no estrito domínio da racionalidade. Houve mesmo espaço, no calor da contenda, para alguns elogios, se assim podemos considerar (Portas referiu o contributo cívico de Bloco para a discussão sobre o sistema fiscal, Louçã disse que se fizeram coisas positivas na Ogma). Mesmo quando se interrompiam, era possível ouvirmos o que um e outro diziam, algo que vai sendo cada vez mais raro neste país.
Há imagens que ficam, como aquela do ecrã dividido, onde vemos Portas em pose mais ou menos hirta e de dedo em riste, numa situação de algum aperto, a dizer algo assim, “ ó dr. Louçã, não me estique o dedo”.
Deu a ideia de os candidatos não terem muita estima um pelo outro, que se temiam até. Mas respeitaram-se, sem com isso deixarem de jogar ao ataque, numa metáfora futebolística. Louçã chegou utilizar palavras duras, como o “roubo que estaria ser feito ao País" e a "cobardia" política em relação à banca, ao que Portas retorquiu com a arrogância e moralismo da esquerda.
No que toca à explanação das ideias, sobretudo na resposta à pergunta sobre o que propõe o Bloco, Louçã chegou a ser brilhante pela simplicidade e clareza da exposição. Mas também foi infeliz quando na questão do aborto se dirigiu a Portas com crispação, dizendo que este não tinha autoridade para falar da vida : “Não o autorizo, o senhor não tem o direito de falar de vida, o senhor não sabe o que é gerar uma vida! Eu sei, eu tenho uma filha!”. Foi o momento mais tenso do debate e, na minha modesta opinião, o pior.
Não acho que tenha havido um vencedor, antes que os dois candidatos saíram fortalecidos. Não, não estou a ser salomónico , eu que sou avesso a pactos e consensos, dou apenas a minha impressão no final do debate. E pobre país o nosso, que tem como principais candidatos a primeiro-ministro figuras como José Sócrates e Pedro Santana Lopes, quando dispõe de figuras de outro calibre.